Como era verde o meu vale!
Nunca conheci meu vale,
Nos meus sonhos era verde na primavera
Lilás no inverno
E dourado no outono
Mas era meu vale, lindo, e ali
E podia viver meus sonhos
Que nunca mais esqueci!
Conheçam a fórmula para a felicidade
Felicidade = P + (5xE) + (3xA)
. Na equação, P corresponde à pessoa (características da visão de vida, adaptabilidade e flexibilidade), E mede o que é essencial ou existencial (saúde, estabilidade financeira, amizades) e A representa as coisas que o entrevistado considera como "em alta" em sua vida (auto-estima, ambições, expectativas). A auto-estima, expectativas, ambições e senso de humor (H) também são adicionadas, em menor escala.
Ninguém acreditou quando viu. Nem eu mesmo. Inacreditável! Impossível! Médicos, psicólogos todos aqueles que deram sua contribuição para a recuperação de Aninha se estivessem alí, estariam tão perplexos como eu. Tudo fora tentando no passado. Longas viagens, passeios, terapia, enfim, seria por assim dizer uma interminável lista, com todos os tipos de tratamento e sujestões. Eu desconhecia esse fato. Nem mesmo me dei por achado quando me falaram de Aninha. Aninha! Olhos negros, pequenos, nariz afilado, cabelos encaracolados negros e cortados curtos. Nos seus sete anos não chamava atenção, quieta no seu canto, sem sorrir, sem olhar para ninguém. Sempre voltada para o nada, como se estivesse em outro mundo, em outra dimensão.
Só fui conhecer a historia de Aninha, muitos anos depois quando tentaram enturmá-la em uma matilha na alcateia do grupo que participava. O que me disseram foi uma historia fragmentada, onde nada se ligava, a não ser sua profunda tristeza, fechada em sí propria. Quando nasceu seus pais não observavam nada de anormal em Aninha. Claro , quase nunca chorava. Rir? Nunca viram. Aos dois anos desconfiaram que ela tivesse algum problema. Não sabiam o que era. Não tinham a menor idéia. Entretanto, verificaram que ela tinha toda caracteristica de uma criança autista. Afastava-se do mundo, das meninas de sua idade. Inclusive dos seus próprios pais.
Ela vivia sozinha. Fechada em seu mundo. Não fazia amigos. Quando chamada muitas vezes nem respondia. Seus olhos não tinham uma direção fixa. Aqui e ali e nunca olhava ninguem diretamente. Parecia procurar algum no infinito. Brincadeiras com outras crianças? Nunca. Bem Aninha falava corretamente. Pelo menos a fala era perfeita. Mas o que mais entristecia aos seus pais, era o sorriso. Nunca viram Aninha sorrir. Nem chorar. Na escola seus professores sentiam enorme dificuldade em acompanhá-la. Aconselharam aos seus pais que procurassem ajuda especializada. Alí na companhia daquelas crianças ela não se enturmava, não se desenvolvia e tudo que eles fizessem não era do seu agrado.
Seus pais levaram Aninha a diversos medicos, terapeutas, psicólogos e nenhum deles foram capazes de diagnosticar o que se passava com Aninha. Descartaram a possibilidade de ser ela autista. Todos os testes indicavam o contrário. Os pais de Aninha faziam de tudo. Nos fins de semana a levavam em cinemas, shopings, parques, tudo onde diziam que as crianças sorriam e brincavam. Aninha não. Levavam uma vida modesta. Seu pai trabalhava em um Banco na cidade, e seu salário era acanhado. Mas o suficiente para que desse todo conforto a sua familia e principalmente a Aninha.
Um dia, eu estava em casa, revendo um filme e que tinha visto diversas vezes. Um dos meus preferidos. “Como Era Verde o Meu Vale". É um daqueles filmes que ficam na lembrança para sempre. Acho que, mesmo para quem já o assistiu revê-lo é reviver as mesmas emoções movidas pela história do jovem Huw e de sua família. Há quem diga que ele era o preferido do diretor John Ford. Talvez uma das grandes causas do sucesso desse filme seja o fato dele criar, de alguma forma, um forte sentimento de família que persiste mesmo enfrentando a pobreza, greves, acidentes etc. Deu-me um estalo! Eureka! Quem sabe o escotismo pode ajudar?
Liguei para a Akelá Silvia na mesma hora, passava da meia noite, e falei sobre Aninha. Ela já conhecia a historia. Perguntei se tentaram convidá-la a ingressar na alcatéia. Ela me disse que a familia esteve lá em duas reuniões. Entretanto Aninha não mostrou nenhum entusiasmo. Nem mesmo ficou prestando atenção a movimentação das lobinhas. Não me dei por vencido. Eu acreditava que devia existir uma maneira de Aninha se interessar por alguma coisa que poderia ser a solução para ela. O escotismo poderia ser a fórmula para a felicidade de Aninha. Felicidade = P + (5xE) + (3xA). Não conhecem? Estou conhecendo agora. Eu inventei. E isso me fez acreditar mais e mais no que pretendia fazer. Eu sabia que esta fórmula é a chave mestra da força do movimento escoteiro.
Estudei meu plano nos minimos detalhes. Falei com os pais de Aninha, com a Akela, com o Diretor Técnico sobre o plano. Riram de mim. Com que base diz isso? Se tantos especialistas tentaram e não conseguiram, voce agora achou a fórmula certa? Falavam. Mas eu acreditava. Queria o aval de todos. Os pais de Aninha não se animaram, mas tampouco foram contra. Tinham tentado tudo e sempre nutriam a esperança de ver Aninha sorrir. Só uma vez bastaria diziam. Não sabiam como era seu sorriso. Ela nunca sorriu.
O dia chegou. Eu não tinha medo ou receio. Se desse certo, teria feito meu papel escoteiro da boa ação. Se desse errado, paciencia. Sempre devemos tentar. Se um dia formos nos criticar, que seja por ter feito e não por ter deixado de fazer. O dia foi de sol, a tarde uma linda tarde prenunciava o sucesso no meu empreendimento. Eu acreditava piamente que daria certo. Fui à casa de Aninha. Tudo estava preparado. Esperamos dar umas oito horas da noite. Ela dormia profundamente. Sua mãe a carregou até o carro.
A viagem foi curta. Chegamos logo ao sitio onde a Alcateia Waingunga acantonava. Eu sabia que o Fogo de Conselho seria por volta das nove da noite. Teriamos que transportar Aninha sem ela acordar, até o local, e ali sentada em uma cadeira de praia e no escuro, Aninha seria acordada com a chegada das lobinhas, que caladas iriam ficar em volta da fogueira e dando as mãos cantariam bem alto a Canção do Fogo do Conselho. Aninha acordaria e vendo as chamas altas e tantas meninas alegres e cantando poderia levar um choque de felicidade. Seria possivel? Quando contei para os coadjuvantes todo o plano eles riram a valer. Incrédulos! Em acreditava que ia dar certo.
Todos os chefes presentes e os pais olhavam para Aninha. A espera fora infindável. A canção terminou, o fogo crepitou as chamas subiram ao alto, os pássaros norturnos piavam, até uma coruja voou de seu ninho em busca de sossego. Aninha acordou espantada, surpresa e assustada. Ficou em pé, e vendo tantas lobinhas dançando em volta do fogo, eis que o inusitado aconteceu. Aninha passou a seguir os passos das outras. Cantava baixinho: ¶ Na Roca do Conselho, o uivo do Aquelá. E na Jângal distante, respondem os Lobinhos - Au au u u. Au Au u u. ¶¶.
Aninha agora sorria, brincava e cantava com as outras meninas. Seus pais pularam de contentes, o sorriso deles era contagiante. Os incrédulos de olhos arregalados, não acreditavam no que viam. Durante todo o Fogo de Conselho Aninha participou ativamente. Esqueceu os seus pais. Suas amigas agora eram as meninas da matilha Marron. Fora adotada e muito bem recebida por elas. Em pouco tempo ela conhecia tudo da Jangal. No monte Seoni, onde habitava a alcatéia sua mente vivia agora. Conhecia o Rio Waigunga, que corre dos montes Seone e forma os pântanos nas baixadas, não esquecia nenhuma parte quando contava a historia de Oodeypore, a cidade onde nasceu Mowgly e onde Bagheera a pantera negra esteve presa.
Aninha mudou. Muito mesmo. Ninguem explicava como podia ter acontecido assim. Seus pais comentavam com amigos que o escotismo é a formula do sucesso para os jovens. Todos os sábios doutores tentaram e nada conseguiram. Agora em um simples Fogo de Conselho aconteceu à cura de sua filha. Eles se transformaram. Suas tristezas acabaram. Encontraram a fórmula da felicidade junto com ela. Aninha fez a promessa, em um dia sem sol, mas parecia que o vento sul trazia toda a força dos Campos de Bhurtpore.
Foi um dia que me marcou muito. Claro, eu estava lá. Não podia perder. Era como se Hathi e seus filhos também estivessem presentes. Aninhados em um degrau da escada Baghera e Baloo se deliciavam com a promessa de Aninha. Enroscada no mastro da bandeira, Kaa ria e dizia, “Somos do mesmo sangue, tu e eu!” O lobo Gris e seus irmãos davam um grande uivo de felicidade. Até mesmo os Bandar-log, o povo macaco, agora tambem estava feliz ali, vendo Aninha dizendo com todo amor: “Prometo, fazer o melhor possivel para...”
Muito tempo depois, fiquei sabendo que Aninha em sua casa chamava seus pais, e alí com o fogo da lareira acesa, contava historias da Jangal. Soube tambem que alguns parentes, vizinhos e amigos se reunião para sentir a força da felicidade de Aninha, quando ela contava ou narrava com sua voz linda, em pé, olhando nos olhos de todos em sua volta e apontando um por um dizia: - Voces precisam conhecer a Lei da Jangal, Baloo, o urso pardo sempre dizia que essa lei vigora na selva e é antiga como o céu. Dizia ainda que assim como o cipo que envolve a árvore, a Lei do Lobinho envolve todos nós.
Aninha ficava horas narrando. Ninguem arredava o pé. Pareciam encantados como se Kaa a serpente ali tivesse passado. Conheceram todas as personagens, e até tinham medo de Shere Khan. – Porque voce matou? Perguntou Hathi, pelo prazer de matar? Shere Khan respondeu isso mesmo. Era meu direito. A noite é minha voce sabe. Que direito é esse de que fala Shere Khan? Perguntou Mowgly. É uma historia antiga, tão velha quanto à propria selva. Então Hathi narrou cabisbaixo, descrevendo como o medo se apoderou dos habitantes do outro lado do rio. Mas essa é outra história...
Foi maravilhosa a recuperação de Aninha. A Alcateia Waingunga passou a ser outra. Agora Aninha dava o toque da alegria e da felicidade. Ninguem ria mais que ela, quando brincava ou jogava era como se fosse à primeira vez. Entregava-se de corpo e alma. A matilha marron nunca mais foi à mesma. Corria, saltitava, gritavam e Aninha mostrava a todos sua mais suprema alegria e felicidade do mundo. É como Aninha mudou. Como o escotismo faz milagres. Lembro-me que um dia lí, não lembro onde, que cada pessoa que passa na nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Ela não nos deixa só, porque deixa um pouco de sí e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.
Não sei por que, me lembrei de outro filme, famoso, uma ficção cientifica cujo título era Blade Runner. Em um momento triunfal, onde a justiça e a coragem se fazem presentes, o androide antes de morrer disse – “Tenho visto coisas que as pessoas nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas mais além Orion. Eu assisti os raios C brilhando no escuro perto da comporta Tannhauser. Todos esses momentos se perderam no tempo, assim como lágrimas na chuva. Hora de morrer!”. Nada há ver. Não irei morrer. Mas ví muito mais. Ví Aninha sorrir. Valeu uma vida e esses momentos nunca se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Para mim, o sol brilha de uma maneira firme. Quem viu Aninha sorrir pela primeira vez, nunca mais vai esquecer.
O tempo passou. Mudei de cidade, nunca mais ouvi falar na Aninha. Agora deve estar uma moça feita com seus 18 anos. Tenho certeza que ainda está sorrindo. Sua vida agora é outra. Todo o passado se foi e ela aprendeu a sorrir, descobriu a felicidade. O porquê de antes e o porquê de agora, não sei explicar. Não sou psicólogo. Nem um doutor entendido no assunto. Mas sou um escoteiro, e sei por natureza que o escoteiro vive sorrindo, a vida para ele é bela e é formada de doces e grandes momentos de alegria e felicidade.
Sei também que as dificuldades ele o escoteiro deixa em um canto do armário, um dia vai lá e dá um jeito nela. Ajudando o próximo, amando seus irmãos e sendo amigos de todos, não importa quem. Ele, o escoteiro faz a sua felicidade. Eu acho que sou feliz, muito. Contribui para que Aninha descobrisse a fórmula. Qual? Felicidade = P + (5xE) + (3xA) resultado- ESCOTISMO! Uma linda e explêndida maneira de viver e ser feliz! Por isso eu amo e adoro ser escoteiro!
E quem quiser que conte outra...
Não me canso de procurar a tal fórmula da felicidade completa e talvez quando a encontrar perceba que sempre faltará um dos elementos...
Talvez aí resida à mágica dessa incansável busca
“ A EMBRIAGUEZ DA PRIMAVERA “
“O homem ao homem! É o desafio da Jângal!
Já parte aquele que foi nosso irmão.
Ouvi, então, julgai, ó vós, gente da Jângal
Respondei: quem irá detê-lo então?
O homem ao homem! Ele soluça na Jângal!
O nosso irmão se aflige dos males supremos.
O homem ao homem! Nós os amamos na Jângal!
Esta “é o sua trilha e nós não mais o seguiremos”.
DO LIVRO DA JÂNGAL DE RUDYARD KIPLING
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