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AVENTURAS E ATIVIDADES AVENTUREIRAS DE CHEFES ESCOTEIROS
“Quem cede a sua liberdade essencial em troca de um pouco de segurança temporária, não merece nem liberdade nem segurança”
BENJAMIM FRANKLIN
Porque a escolha do caminho eu não sei. Não me pergunte. A resposta é sempre a mesma. Livre arbítrio. Claro, poderia ter escolhido outro, mas não, escolhi aquele. Devia ter perguntado aos outros chefes, mas não perguntei. Tudo bem, agora era ir em frente e seja o que Deus quiser.
A trilha se fora e agora nem a bússola ajudava. Um caminho íngreme, cheio de ribanceiras, com aguada a cair de belas cachoeiras, mas que não nos levavam a lugar algum. Claro, estava com medo e quem não estaria no meu lugar? Os demais se mantinham calados e nada diziam. Achavam que eu era o guia e sabia o que estava fazendo. Caramba! Puro engano, no começo me sentia bem, mas agora estava trêmulo, com a respiração pesada e me maldizia pela idéia daquela louca aventura.
Pensei que eu e mais onze escotistas do grupo que prestava a minha colaboração estávamos bem preparados, alguns claro, Insígnia da Madeira e isto era ou não um passaporte para uma grande aventura? – Se para as tropas estávamos sempre sugerindo tais atividades e olhe sempre ficávamos com inveja dos jovens por que nós chefes também não podíamos ter a nossa?
No Conselho de Chefes dei a idéia e foi aprovada de pronto. Nem discussão houve e olhe que nosso conselho era bem animado e a plena democracia era ali praticada com muita seriedade. Fiquei surpreso ao ver a adesão de tantos. Onze. Inclusive uma chefe de tropa feminina e outra de guias. Outros tantos não iriam porque teriam atividades escoteiras ou familiares e profissionais já programadas naquele fim de semana prolongado.
A Serra do Mirvana foi à escolhida. Diziam os que lá estiveram que era um lindo local ainda com matas preservadas, lindas cachoeiras e no pico uma vista de tirar o fôlego. Conseguimos um mapa do local, e até nos foi oferecido um guia o que educadamente recusamos. No programa sairíamos de ônibus na terça a noite e voltaríamos no domingo.
Afinal somos ou não grandes exploradores, guias natos de jovens meninos e meninas que também se animam a escalar das serranias as alturas? (contemplais que vereis, são jovens escoteiros, entusiastas, joviais, briosos brasileiros que lá vão brincar ao léu de uma aventura! – parte de um poema escoteiro)
Mas imaginem quem praticamente se obrigou a ir conosco quando ficou sabendo da grande aventura dos molezas, como ele próprio batizou. Claro, nada menos que o “Velho”. Um antigo escoteiro, 83 anos, com seu andar claudicante, respiração sempre fora do normal, e para aquela atividade seria o “fim da picada” ele ir conosco.
Seria é claro um estorvo e uma grande responsabilidade para os demais chefes. Falei para a Vovó tentar dizer a ele para desistir da idéia. Ela sorriu amavelmente e disse que isto seria impossível. - Se ele morrer no campo ou em uma atividade ao ar livre e melhor ainda em um acampamento, já disse a você, ele morre feliz. Lá também é seu hábitat.
- “Velho”, pense bem - dizia eu - vão ser cinco dias enfurnados em matas, corredeiras, subidas e mais subidas, praticamente vamos dormir sobre as estrelas, pode chover, esfriar, muitas vezes nosso almoço será frio, pois não teremos tempo de acender fogo a não ser à noite.
- Você alega ter algumas dores aqui e ali, toma mais de seis remédios por dia, afinal quer se matar? Eu não quero ver você dar um “siricutico” de velhice comigo na hora H. Infelizmente desta vez você não pode ir.
- Porque disse aquilo não sei. O “Velho” pela primeira vez me olhou com os olhos cheios de lágrimas e nada disse. Ficou calado, sentado em sua poltrona preta de vime, com seu cachimbo apagado, a me olhar com aqueles olhos que preferia ter ido para o “meio dos infernos” a sentir aquele olhar tão meu conhecido, tão amado e agora eu me odiava profundamente.
Ele se calou. Nada mais disse. Fiquei ali mais algum tempo conversando com a Vovó, mas com a voz engasgada. Ela também nada comentou. Comi um ou dois biscoitos de polvilho, tomei um pouco de chocolate quente que demorou a descer pela garganta e fui embora.
No caminho para minha casa me maldizia pela idéia. “Deus do Céu” o homem que aprendi a gostar, a amar, a ter como meu guia, meu professor, meu pai e agora estava lá, magoado comigo, tentando nos seus derradeiros anos de vida voltar ao passado, fazer atividades como sempre fez e eu ali, dizendo para ele que não?
Quando voltei do serviço à tarde, passei na casa dele. Estava na mesma posição de ontem à noite, taciturno, sem falar, olhou para mim, seus pequenos olhos azuis me encararam, mas nada disse. Não era o “Velho” que conhecia.
A Vovó comentou que ele passou a noite na poltrona, calado, sorrindo para ela, mas sem argumentar, sem ao menos dizer que eu estava errado, não podia mais fazer aquilo, seu tempo se foi com o tempo e agora era lembrar, lembrar e sorrir com o que fez com o que construiu, com as amizades adquiridas e mais nada.
Liguei da minha casa para todos e expliquei a situação. Disse que infelizmente eu tinha que assumir a responsabilidade e levá-lo. Claro ouve argumentos contrários, mas todos conheciam o “Velho” e assim, dei a notícia para ele, sorridente, pensando que ele iria pular da poltrona, e dizer – Maravilha, muito bem, agora uma volta ao passado e morrer feliz. Mas não, ele continuou calado, nada disse.
Os dias foram passando, os preparativos, as conversas, as idéias, a compra de passagens, alimentação, enfim um “mundão de coisas” que nós escotistas bem conhecemos. Sempre passava pela casa do “Velho” e ele nada dizia calado como sempre, totalmente diferente do “Velho” que conhecia. Cheguei à conclusão que a senilidade dele estava mais que presente. Levá-lo seria um perigo e um grande erro.
Como não houve manifestação por parte dele e da Vovó nos dias que se seguiram, achei que ele tinha desistido e para não sofrer mais vendo seus olhos, sentindo a dor da ilusão de ser um velho, alguém que agora não serve para nada, a não ser falar, falar e falar evitei ir a sua casa durante a semana. Acho que consegui esquecer pensando na adrenalina que se aproximava.
No dia determinado, nos encontramos na sede lá pelas dezoito horas. As esposas e parentes com seus veículos nos levaram até a rodoviária, onde de ônibus partiríamos as vinte e duas horas. Nossa viagem seria de mais ou menos três horas e meia, e desceríamos próximo ao rio dos Mandaquís, já bem na entrada da Serra do Mirvana, conforme nos foi explicado pelo motorista. O retorno poderia ser ali, no domingo entre dezesseis e dezesseis e trinta horas, horário do retorno do ônibus.
Na rodoviária, despachamos nossas mochilas pelo bagageiro, pois levá-las junto conosco dentro do veículo seria um contra censo. Ficamos ali batendo papo, comentando as últimas e de repente, para nossa surpresa vimos sentado em uma poltrona longe da nossa, nos observando de soslaio nada mais que o “Velho”, sorridente, com a Vovó e a filha que devia tê-lo trazido.
Caramba! Pelas barbas de Maomé! Esta eu não esperava. Dirigi-me a ele, assim como todos os escotistas, pensando que ele fora ali para despedir de nós, dar-nos alguns conselhos (era seu feitio) e nos desejar uma excelente atividade aventureira.
Mas não, o “danado” já tinha despachado sua mochila inglesa tão conhecida de todos. Ali estava com seu uniforme caqui curto, seu chapéu de abas largas com jarrete e tudo que tinha direito, uma pequena bota preta bem engraxada, uma faca escocesa na cintura do lado direito alem do canivete suíço, do lado esquerdo uma machadinha, pequena e afiada bem protegida com a capa.
Sem esquecer é claro, seu cantil americano de 1940 que ganhou de um soldado seu amigo, que participara da segunda guerra mundial. Perto da faca, um pequeno cabo de uns 15 metros, enrolado a moda escoteira, (fácil para soltar e usar) e no pescoço, enfiado no bolso direito sua bússola “Silva”, velha de guerra como ele dizia. Levava ainda uma forquilha pioneira, que conforme explicou era para tornar sua caminhada mais confortável.
Rimos alto. Ninguém nada disse contra, não houve oposição e agora sabíamos que poderíamos não atingir o objetivo, ou seja, o pico do Mirvana. Mas valeria a pena ter a companhia do “Velho”. A Vovó e a filha nos incentivaram, e se elas não estavam preocupadas teríamos como obrigação de também concordar com a participação dele.
A viagem foi um sucesso. Ninguém pode dormir. O “Velho” não deixou. Cantava, contava piadas, motivaram os outros passageiros a cantar a Arvore da Montanha, Japeanã, o Cucu, Anauê, Piripiri, Aconcágua, avançam as patrulhas, Canção do Clã e tantas outras canções lindas que já tínhamos esquecido em nosso repertório e que ali voltou-nos à lembrança de quem canta seus males espanta!
Agradecemos aos passageiros, ao motorista, todos enfim que naquelas três horas e meia ficaram nossos amigos e vimos o “Velho” já equipado com sua mochila às costas, nos chamando de molengas e dizendo - As patrulhas já avançaram e estes chefes “pernas de páu?” – Rimos e esperamos que durante o percurso ele se mantivesse sempre assim.
Naquela época não tínhamos o telefone celular e acho que se tivéssemos perderia a graça de uma boa aventura, de uma boa jornada, pois na hora H era só telefonar e pronto. Bombeiros, salvamento, helicópteros tudo para salvar os marmanjos que se dizem chefes. Partimos. Era uma boa subida no início em uma estrada de terra que nos levaria até o rancho dos guardas florestais. Ali já éramos esperados, pois pedimos antes autorização.
O “Velho” parecia conhecer o caminho. Acho que pesquisou muito sobre ele ou quem sabe, já tinha ido ao pico algum dia no passado. Não sabíamos, mas ele nos mostrou exatamente onde era a cabana e quando chegamos não tinha nenhuma dúvida. Era como ele havia descrito.
Encontramos um guarda ainda acordado, nos apresentamos, conversamos e ele educadamente disse que o caminho era perigoso, se sabíamos o que iríamos enfrentar, enfim, nos deu ainda todas as dicas. Pernoitamos na cabana, bem espaçosa, com colchonetes improvisados e o “Velho” foi o primeiro a dormir. Vi em seu rosto um sorriso, uma alegria contagiante que naquele momento não pensei nas conseqüências de levá-lo conosco.
Deve ter sonhado com seu passado, com suas aventuras, com uma vida escoteira tão cheia que até hoje, após 8 anos que o conheço, pouco sei a seu respeito. Ainda teria muito tempo com ele, para ouvir, sentir o que é ser e ter o “Espírito Escoteiro”.
Pela manhã, nem bem a aurora tinha dado as caras e já estávamos enfrentando a subida. Eu estava com o mapa. Achei que era um bom conhecedor em leituras de mapas e ensinava aos monitores como fazer um croqui, ensinava o passo duplo, ensinava como fazer um percurso de Giwell, portanto era o mais indicado. O “Velho” aceitou normalmente. Não fez nenhuma objeção.
Era o primeiro dia, a alegria era geral. Já pelo meio da manhã, a vista era maravilhosa e isto sem atingir o pico que calculávamos ser lá pelas dezesseis ou dezessete horas. Já não havia mais estradas só uma picada que nos levava diretamente a uma floresta, cujo final desconhecíamos.
Paramos lá pelas treze horas, lanchamos, descansamos um pouco e partimos. Notei que o “Velho” agora estava calado, mas não tinha aparência de cansado. Só não falava com ninguém. Sempre escrevendo em um bloquinho que levava no bolso de trás. Se perguntado, respondia em monossílabos. Bem, melhor assim, esperávamos que ele agüentasse firme, pois nosso palpite era que iríamos ter problemas com ele.
O relógio marcou quatro horas, cinco horas da tarde e ainda estávamos naquela mata, que aos poucos ia se fechando e a trilha já não existia mais. Tinha desaparecido. Olhava de vez em quando minha bússola, consultava os outros e sempre achando que o caminho era o correto. Ao “Velho” não perguntamos, pois achamos que ele não tinha a menor idéia onde estava e não poderia ajudar. As chefes femininas caminhavam até melhor do que nós, e sempre com um sorriso nos lábios.
Escureceu. Um breu. Tínhamos lanternas e velas. Paramos, comemos um pequeno lanche e resolvemos dormir ali. Não alcançaríamos o pico naquela quarta. Ficaria para a quinta, o nosso programa era elástico e poderia ser modificado.
Dormimos não sem antes termos um pequeno fogo, algumas canções, histórias e estórias contadas, o “Velho” contou uma de um vaqueiro que se apaixonou pela filha do fazendeiro do Juruá e morreu afogado no Rio das Sete Noivas, onde quem morre diziam não vai para o céu. Ninguém sabe por que e como morreu, pois era um excelente nadador. Ela nunca mais se interessou por ninguém. Não saia de dentro de casa. Passou anos e anos trancada até que seus pais morreram.
Um dia alguém foi visitá-los e não acharam ninguém. A casa estava vazia, com todos os móveis. Sua história demorou mais de meia hora para ser contada. Mas prendeu a atenção de todos. Só mesmo o “Velho”.
Veio a quinta. Partimos. Achávamos que após umas duas ou três horas a mata desapareceria e avistaríamos o pico. Diziam que lá tinha uma bela cachoeira, e que a margem um belo bosque para passar dias e dias acantonados.
Nada. Já tínhamos lanchado e nossa caminhada continuava. Quatro horas da tarde, a mata não acabava. Logo víamos que o caminho estava se tornando impossível. Pedras e mata fechada, espinhos, corredeiras fortes enfim, dificuldades que nunca poderíamos imaginar.
Fizemos um pequeno intervalo lá pelas dezoito horas, trocamos idéias e resolvemos escolher um local para pernoitarmos. O “Velho” sempre calado a não ser de vez em quando assoviar o Rataplã nada disse e claro nem foi perguntado. Ainda bem. Ele tinha um excelente espírito escoteiro para sua idade.
Não foi uma noite das melhores. Dormimos mal, Cada um pensando o que ia ser da atividade. Eu estava muito preocupado. Principalmente com o “Velho”. Ele parecia dormitar encostado a uma árvore. Não quis montar seu pequeno colchonete e seus apetrechos noturnos.
No dia seguinte partimos. Comecei a me preocupar com a jornada ou acho eu, a aventura que não sei se estava começando ou terminando. Interessante que o “Velho” nunca mostrava sinais de cansaço. Olhei que sua mochila estava bem cheia, com todos os seus apetrechos, e seu uniforme se matinha em forma, pois não dormia com ele (tinha um macacão próprio para dormir) e quando o olhávamos era como tivesse saído do chuveiro e se preparar para uma atividade nacional.
Agora a preocupação era de todos. O caminho sumiu. Só subida que demorávamos mais de uma hora para percorrer poucos metros. Lá pelo meio dia, paramos e após um lanche partimos. Veio à tarde, nada. Ainda olhava o mapa, colocava minha bússola em ação e assim andávamos mais uns poucos metros.
Escureceu. Como sempre era melhor pernoitar, uma pequena chuva começou a cair. Agora tudo bem. Vamos ser presenteados. Vimos o velho com sua machadinha começar a cortar alguns galhos. Sentados, já com capas de plásticos que tínhamos levado, notamos que em poucos minutos o “Velho” fez uma pequena cabana que não daria para dormir, mas sentados caberiam todos e assim passamos a noite.
E eu me preocupando com ele e ele nos mostrando aos poucos como fazer e o que fazer. Durou pouco a chuva, mas molhou todo o terreno que estávamos. O “Velho” nos mostrou como com pequenos galhos verdes entrelaçados e folhas poderíamos dormir sem sentir o frio do chão molhado. Vivendo e aprendendo!
No sábado, bem cedinho, nos reunimos e decidimos voltar. Era melhor. Não estávamos no caminho certo. Eu e todos os chefes já nos considerávamos perdidos.
O “Velho” não concordou. Afinal nosso objetivo era o pico e se a Serra do Mirvana nos amedrontava, não tínhamos condições de sermos chefes escoteiros. Somos escotistas, não é qualquer serrinha que vai nos dar uma lição. – “Velho”, você está vendo o que acontece, está junto conosco, não tem opinado, mas sabe que não temos a menor noção de rumo. É melhor voltar e depois contar para todos esta aventura que estamos vivendo e lembrar-se dela sempre.
- Pode ser uma boa idéia – disse o “Velho”. Lembrarmos de nossa derrota nesta serrinha porcaria. Mas acho que não é digna de chefes escoteiros. Afinal hoje é sábado, temos até à tarde para atingir nosso programa e então pensar na volta. Vi que não era bom argumentar com o “Velho”. Perder mais um dia naquela mata não estava nos meus planos.
O “Velho” educadamente me perguntou se cedia a ele por umas duas horas a liderança da atividade, não mais que isto. Vou mostrar a vocês como trato serrinhas como esta. Todos riram. Acho que não conheciam o “Velho”. Não sei o que ele queria, em um terreno desconhecido, com sua idade, talvez até mais cansado do que parecia e agora querendo tomar as rédeas da atividade?
- Bem, porque não “Velho”, disse um dos chefes, acho que todos nós concordamos e perguntou aos demais um por um. Por unaminidade deram ao “Velho” aquela oportunidade. Poderia ser uma das suas ultimas de sua vida, pois não acreditava que ele pudesse fazer uma nova atividade como aquela e se assim o fizéssemos feliz, valeria a pena sem sombra de dúvida perder mais algumas horas antes do retorno.
O “Velho” sorrindo, disse a plenos pulmões – “Quem for escoteiro que me siga!” e lá foi cantando - Avançam as patrulhas, lá ao longe, lá ao longe! E nós sem saber o que dizer o seguimos, mas sem nenhuma esperança. Andamos bem umas 2 horas, descendo, subindo, para noroeste, para sudeste, para esnordeste, sulsuldoeste, enfim estava eu já perdido na direção e no rumo seguido.
Esperei dar meio dia e já ia dizer para o “Velho” que seu tempo tinha terminado e meus amigos, avistamos uma trilha e poucos metros à frente saímos da mata e de lá já se podia avistar o pico. Com menos de 2 horas atingimos o ponto final. “Maravilha”, “danado de “Velho”, ou ele conhecia o caminho ou estava glosando com nossa cara ou então era melhor leitor de mapas do que eu e os outros.
“Velho”, você me deixa surpreso, afinal você já tinha vindo aqui não? – Claro que não, o que fiz foi pesquisar bem o local nos mapas e na biblioteca do bairro deu para pesquisar bastante. Eu sabia de cor o tamanho da mata, quando andaríamos e que as trilhas iam dar. Durante o percurso fiz meu próprio mapa e sabia onde estávamos a cada passo.
Poderia ter mostrado o caminho certo desde o primeiro dia, mas achei que vocês mereciam uma bela aventura para não se esquecerem durante todas as suas vidas. Que vocês pratiquem e aprendam – “Se vais para o mar, avie-te em terra” meus queridos chefes escoteiros.
A vista era realmente fantástica. O dia estava lindo. Sem nuvens e podíamos avistar paragens longínquas que não conhecíamos e acho que não iríamos conhecer tão cedo. O final da tarde de sábado foi estupendo. Vermelho ao sol por, delicia do pastor. Alegre, cantante, abraços, sorrisos e a beira de um pequeno córrego com seu trovejar de águas calmas e doces acantonamos.
A noite foi tranqüila, um céu cheio de estrelas, uma pequena lua minguante, o vento soprando leve de sueste a nordeste, um fogo aceso, muitas historias, o cachimbo do “Velho” com seu perfume adocicado, as canções, ah! As canções. Lindas, cantadas com suavidade e quase acreditei que éramos um conjunto harmonioso a se apresentar para uma platéia de mais de 10.000 escoteiros em um Jamboree realizado ali, naquele momento mágico.
Dormimos embalados pela grande aventura que passamos. Com sonhos simples, outros fantásticos, de um começo, de um meio difícil e de um final feliz.
A volta foi sem atropelos. Com menos de quatro horas de descida já tínhamos chegado à rodovia. O ônibus não demorou e o retorno tranqüilo com muito ronco de chefes esgotados dormido.
Na quarta feira seguinte, fui à casa do “Velho”, e conversa aqui e ali (ele estava sorridente, totalmente diferente do “Velho” que conhecia) falamos das atividades aventureiras para chefes escoteiros. – Improvisação – disse - Saber onde como e onde, mas sempre improvisando. Só assim poderemos ter uma grande aventura para lembrar.
Mas “Velho”, porque nos deixou tanto tempo a deriva, poderia ter nos ensinado e assim chegaríamos mais cedo ao pico, podendo apreciar mais aquela bela paisagem.
- Olhe, - respondeu o “Velho”, o sabor da aventura vem do improviso, da dificuldade, da duvida e até desconfiança do certo e do errado. Lembro que aprender a fazer fazendo é o melhor método e nunca, mas nunca mesmo poderá ser substituído. Isto vale para os jovens, mas vale também para nós adultos. Esperei o momento certo para agir, pois vi que todos não estavam devidamente preparados para uma atividade com aquela.
Se – continuou o “Velho” – não tivesse deixado vocês a vontade, tentando acertar e mostrasse o certo, será que valeria a pena chegarmos cedo, ver belas paisagens e em compensação perderíamos os tombos, o medo, a chuva, a improvisação, enfim tudo aquilo que passamos e que chamamos sempre uma grande aventura – Suas é claro, pois é já vivi muito isto.
- Olhe “Velho”, até posso concordar, mas tive medo por você, tive dúvidas em levá-lo, pensei sempre no pior, mas você nos mostrou que devemos sempre confiar. Quando achamos que o ajudávamos, era você quem nos ajudava.
Vovó veio cantando baixinho, e rindo disse do que o “Velho” tinha contado a semana inteira para ela e para a filha a historia dos chefes “patetas” na Serra do Perdidos. Já estava cansada com aquela lenga lenga toda e gravei tudo para que ele não repetisse para todos a mesma coisa. – o “Velho” ralhou amigavelmente com a vovó e ela disse que era brincadeira. Riram a valer da piada.
Fui embora para casa, ruminando como são as coisas. Não procuramos nossos velhos para nada. A não ser para um abraço, um sorriso forçado, e achamos que somos os donos da verdade. Olhamos para eles com ar de superioridade, pois achamos que temos todas as soluções e quando damos conta já é tarde demais.
Paciência, este não é meu caso. Cada dia aprendo mais com o “Velho”, oitenta e dois anos e ainda dando exemplos, ensinando como se faz
E quem quiser que conte outra...
A ESCOLA DA VIDA
_ A vida é bela quando não é complicada.
(Robert Browwing);
- Este mundo é duro para conquistar: Cada rosa tem seus espinhos, mas cada rosa tem sua beleza.
(Frank L. Stanton)
- Somos bobos quando somos jovens! Porque pensamos sermos mais sábios dos que passaram pela escola da vida, esquecendo que deveríamos aprender deles algo todos os dias.
(Janes na Fisbrug Gazette).
BADEN POWELL
sou um deles
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