sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CHEFE RILDO E SUAS HISTORIAS


CHEFE RILDO E SUAS HISTORIAS

Fernando Pessoa

Chefe Rildo ouvia atentamente o que os outros chefes diziam. Ele não estava gostando do rumo da conversa. Achava que o Chefe do Grupo devia estar presente. O grupo passava por uma fase difícil. O Chefe Amador que foi um dos fundadores do grupo ficou muito doente. Tinha os pulmões ruins. Um forte Enfisema pulmonar, devido à grande quantidade de cigarros que consumiu no passado. Já havia parado há muitos anos, mas não adiantou. Deu várias recaídas, vinha à sede caminhando devagar, falava pouco, sua respiração era difícil e tossia muito.

Ninguém gostava de vê-lo assim. Tinham um carinho muito especial com ele. Afinal, foi graças a eles que todos participavam do Grupo Escoteiro. Fazia muitos anos quando fundou o grupo. Mais de 40 anos. Muita coisa boa aconteceu. Claro outras preocupantes, mas o Chefe Amador era líder nato. Sabia manter amigos, companheiros e os jovens tinham grande respeito com ele.

Finalmente, sua saúde piorou. Foi internado as pressas e sofreu as conseqüências de um vício que não conseguia largar. No passado com muito custo passou para o cachimbo, mas nada adiantou. Foi mais fácil largar o cachimbo. Era tarde demais. Sofreu os últimos dias internado e mesmo com a assistência de bons médicos, foi perdendo o ar, não conseguia respirar, e numa tarde cinzenta de agosto, morreu.

Ficamos perplexos com aquilo. Ficamos órfãos. Não estávamos preparados para perder nosso chefe. Nosso amor era grande demais. Mas nada dura para sempre e a vida continua. Fizemos um Conselho de Chefes. Foi eleito o chefe Jonildo. Não era o mais antigo, mas fez uma grande celeuma, e um marketing enorme de sua pessoa. Pegou-nos desprevenido. Foi eleito com dois votos a mais que o segundo colocado.

Nas primeiras reuniões não houve novidades. Perdidos em uma programação de sessão (no bom sentido é claro) não prestavam muita atenção aos seus atos. Ele sem ninguém saber, mandou diversas comunicações aos pais. Junto a eles, montava também o seu “pé de meia”. No primeiro Congresso do Grupo, foi muito aplaudido. Prometeu mundos e fundos. Alguns começaram a desconfiar, mas nada disseram.

Uma tarde de sábado, recebemos a visita de um Diretor Regional. Veio entregar um certificado ao chefe Jonildo. Nele dizia que era o representante regional na área, uma espécie de Comissário Distrital. Todos não entenderam bem a nomeação, mas como bons escoteiros aceitaram. É sempre assim. Sua primeira resolução foi de que o Conselho de Chefes só se reuniria uma vez por ano. Por quê? Perguntaram. Nova norma – disse.

Depois aboliu toda a cobertura. Chapéu, boina, boné. Não perguntou. Decidiu. Finalmente disse que o lenço do grupo ia mudar. Seria marrom e azul. Foi à gota d’água. Fizeram um Conselho de chefes extraordinário. O chamaram. Ele foi simpático e sorridente. O Grupo possuía 16 escotistas. Nenhum IM, nem ele. Ainda não tinham percebido a importância de chegar lá, aonde muitos chegaram.

Não foi uma reunião agradável. Tinham os escotistas de sessão muita liberdade de ação no passado e esta estava sendo tolhida. Agora ali, mostravam a ele todas os equívocos que estavam sendo cometidos. A principio houve uma discussão sadia. Chefe Ronildo, sorria e discordava de tudo. Foi até enfático em dizer que os incomodados que se retirem.

Era incrível! Muitos com 5, 10 e um com 30 anos de grupo, tratados assim, como se não tivessem nenhum valor, não tivessem raízes e dava a entender a todos que eles não amavam e não respeitavam a casa onde sempre lutaram pelas melhores condições educativas aos jovens que ali passaram. Era coisa típica de ditador, que se julgava o dono da verdade.

Abro um preâmbulo para contar a entrada do chefe Ronildo no Grupo. Foi há dois anos. Simpático, se apresentou numa tarde cinzenta de março. Mostrou excesso de amabilidade, o que não agradava muito os autênticos escotistas do grupo, acostumados a uma amizade leal e sincera. Mas como todos os grupos, sempre tínhamos uma palavra de carinho aos novatos. A principio tentou se aproximar dos demais, visitando seus lares, indo e vindo em atividades aventureiras ou não.

Foi aceito com ressalvas. O “salamaleque” não foi digerido por todos. Uma reunião, um mês, um ano. Não se fixou em nenhuma sessão. Ficava sempre ao lado do chefe Amador, como se fosse seu assistente. Corria para ajudar com os pais, preparava mesas com flores, atendia ao telefone e era de uma mesura sem par com os pais e visitantes. Quem não o conhecesse diria que ele era o mandatário geral.

Quando o Chefe Amador morreu, parecia que era o mais próximo dele. Abraçava carinhosamente dona Odete sua esposa, sua filha Maria Tereza e os três filhos homens, Livério, Macinho e Leonardo. Pranteou o nosso querido chefe que tinha ido, por muito tempo. Até hoje não sei se era real ou não. Não posso julgar. Na reunião seguinte, programou uma bela reunião para homenagear aquele que foi o mais querido dentre nós. E olhem, foi uma linda cerimônia.

Não passou duas semanas e se tornou o Chefe do Grupo substituto, sem que ninguém lhe desse direito a tal consignação. Ele mesmo marcou uma reunião dos Chefes do Grupo e ali apresentou sua candidatura.  Alguns achavam que o chefe Alvino fosse o indicado. Tinha entrado no Grupo há mais de 25 anos. Claro era um grande companheiro, mas infelizmente sem a liderança que possuem alguns homens que se destacam.

Enfim, como todos já sabem, o chefe Ronildo foi eleito. E ali estava ele, se sentindo pressionado e não gostando nada do que estava ouvindo. Ninguém aceitava a alteração no lenço, os horários de reuniões e as novas programações que incluíam várias atividades de área, das quais não sabiam quais eram e qual a finalidade.

A princípio tentou ser democrático. Depois disse a palavra que ninguém gostou. Os incomodados que se retirem. Não era assim, disseram todos. Ele estava faltando com o respeito à fidelidade e o trabalho que os escotistas sempre desenvolveram. Ele foi irredutível. Colocou sua autoridade como diretor de área, e que poderia julgar os revoltosos em foro próprio com a conseqüente cassação de seus certificados.

Foi à gota. Quase todos se retiraram da reunião. Combinaram de enviar um ofício a Região Escoteira pedindo um interventor no Grupo Escoteiro. O chefe Amador devia estar triste onde agora era sua morada com o desenrolar dos acontecimentos. Nunca pensou que isto pudesse acontecer. Sempre acreditou numa transferência de responsabilidade ponderável, pois sabia possuir um excelente corpo de escotistas bem formados.

Durante dois meses a região não se manifestou. Em um sábado, os escotistas receberam uma Xerox de um ofício da região ao Chefe do Grupo. Dizia em linguagem simples que o Chefe Ronildo era escotista de confiança e investido de toda autoridade que lhe foi dada. Não ouve discussões. No final da reunião quatro escotistas e uma escotista de alcatéia pediram demissão.   

Incrível! Como ele aceitou assim? “De mão beijada?“ Como iria ficar a tropa escoteira e a alcatéia? Ninguém falou nada. Falar o que? Afinal a linguagem geral era que os incomodados que se retirem. Dava vontade de chorar nas reuniões seguintes as angustias o semblante dos jovens do grupo. Não estavam acreditando no que viam e ouviam.

E olhem, os pais felicitavam a atuação do chefe Ronildo. Ele tinha tudo preparado de antemão. Pais, região etc. Acreditavam piamente nele. O grupo possuía um efetivo de 180 membros. Em menos de cinco meses caiu para 80. O chefe Ronildo conseguiu a ajuda de alguns pais e através da região eles fizeram uns cursos as pressas e passaram a chefiar as tropas que não tinham lideres.

Quarenta e dois anos. Um passado, uma historia, uma grande fraternidade sendo destruída aos poucos. Para quem tinha acompanhado o nascimento e vendo o agora, era inacreditável. Estavam impotentes com tal situação. Um grupo sem futuro, uma região acéfala, uma direção sem noção de sua responsabilidade.

Mas como diz o "Velho" ditado “Deus escreve certo por linhas tortas”. Um fato marcante e desagradável aconteceu. Em um acampamento com pais sem preparo técnico, uma patrulha se embrenhou em uma floresta e desapareceu. No dia seguinte, todos os escotistas que saíram foram até lá para ajudar. Dois dias. Encontram-nos perdidos próximo a uma cachoeira, com um deles mostrando uma fratura enorme no joelho esquerdo.

Os chefes que saíram viram a situação dos meninos e meninas. A maioria novos, pois os mais antigos perderam o interesse. O chefe Ronildo ainda era o mesmo ditador de sempre. Na semana seguinte, parecia uma seqüência de fatos programados, a alcatéia feminina foi fazer uma visita a um museu e duas lobinhas tinham se desgarrado das demais e foram atropeladas em uma rua próxima. Graças a Deus foram só escoriações.

E, para piorar, o chefe Ronildo foi demitido do seu emprego, onde permaneceu por mais de 15 anos. Foram situações meditativas que deram muito que falar. Um Conselho de Pais foi convocado as pressas. Não se soube por quem. Um grande número compareceu. Um representante regional também presente dizia que não tinham autoridade para tomarem nenhuma decisão.

Impossível! Fascismo? Ninguém aceitou. Destituíram o chefe Ronildo ali mesmo de sua responsabilidade. A Chefe Valeria foi nomeada como Chefe de Grupo. Casada, com cinco anos no movimento, era uma perfeita amiga, sincera, com ideais elevados, dois filhos no grupo. Aceitou de pronto e foi ovacionada por todos. O chefe Ronildo não compareceu na reunião de pais. Também não procurou se justificar ou manter sua autoridade. Legalmente só deveria sair se a região assim o permitisse.

Dois meses depois soubemos que um grande escotista e "Velho" Escoteiro fora investido como Comissário Regional. Houve muitas alterações. O Grupo vivia em paz. A região em paz. Outro escotista amigo assumiu a coordenaria da área distrital. Um dos nossos antigos chefes trabalhava em uma grande multinacional e conseguiu uma vaga para o chefe Ronildo.

Fazem dois anos que estes fatos aconteceram. Nosso efetivo ultrapassa 150 membros. Soube depois que vários grupos são atingidos algumas vezes por situações assim. Mas a força do escotismo é muito grande. Depois de voltas e voltas tudo volta ao normal. O nosso grupo votou e hoje é o 547º Grupo Escoteiro Chefe Amador. Vivemos em paz. Uma paz agradável, linda, própria de quem ama e considerava o escotismo uma fonte considerável de ajuda na formação dos jovens.

Saudades do chefe Amador. Um pai para todos nós. Um grande amigo. Lembranças dele e de tempos idos. De acampamentos, de excursões, de viagens, de participação em áreas diretivas. Bons tempos que não voltam mais. Mas para aqueles que agora participam, também será de bom tempo, e.....Se tens vento, e depois água, deixe, deixe andar, que não faz mágoa!

E quem quiser que conte outra...

Fernando Pessoa

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