sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

MEU AMIGO CHEFE GAFANHOTO E UM INESQUECÍVEL ACAMPAMENTO


Meu Amigo Chefe Gafanhoto e um inesquecível Acampamento
O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.
              
A vida não é feita de sonhos, mas eles existem. Nós escoteiros temos o privilegio de poder ver em nossas vidas o sol da manhã, a chuva na primavera ou a brisa leve a açoitar suavemente o rosto. A majestade da visão do alto de uma montanha qualquer e o cheiro da terra após a nevasca são sonhos reais. Nada como sonhos e lembranças que ainda permanecem firmes para alegrar as noites frias de inverno ou o sol escaldante do verão.

Sempre é bom voltar ao passado principalmente se são fatos que nos trazem a juventude de uma época, a aventura de uma historia, a força do caminho a seguir ou o equilíbrio de decidir se valeu ou não tomadas de decisões que desapareceram com o tempo.

Foi numa tarde de junho, lá pelos idos de 1960, apesar de estarmos no inverno, o sol estava a pino. Na pausa do trabalho me deslocava a minha casa para almoçar e minha mãe me entregou uma correspondência recebida aquela manhã.

Logo vi que era do meu amigo Chefe Gafanhoto (prefiro preservar seu nome), pois somente dele ainda recebia alguma carta.

Eu o conheci no ano anterior, quando fiz meu primeiro CAB (Curso de Adestramento Básico). Ainda lembro, acho que foi em setembro de 1958. Tinha recebido um convite da Direção Regional para fazê-lo, totalmente sem ônus.

Foi uma aventura a saída, de uniforme e calças curtas, com meu chapelão e a mochila ofertada por um militar aposentado. Carregada de apetrechos exibia o garbo que sempre tive. O peso mostrou que poderiam diminuir e muito os aprestos. A viagem foi de trem e aquele curso o primeiro de muitos outros que viriam a seguir, ficou marcado na minha saga escoteira. Mudou completamente minha vida e a maneira de pensar como escotista.

Cheguei à capital pela manhã, uma viagem de 12 hs, sem dormir direito, mas com aquela excitação do primeiro acampamento ou da promessa escoteira. Fui direto para o local determinado e com a mochila as costas, alcancei sem problemas o campo escola conforme as instruções que havia recebido.

No meio de um arvoredo, avistei uns 12 ou 15 chefes, conversando, rindo e cantando. Cheguei e na melhor pose tomei a posição de sentido e gritei para todos – “Sempre Alerta”. Riram da minha pose militar (era assim que tinha aprendido). Mas foram camaradas durante o curso e um deles, moreno magro três anos mais velho que eu aproximou e apresentou-se como chefe Gafanhoto, de uma cidade bem próxima a minha e que eu ainda não sabia da existência de um grupo escoteiro.

Gafanhoto e eu ficamos muito amigos. Éramos da mesma patrulha. Estávamos na mesma barraca e os cinco dias de campo deram tempo suficiente para nos conhecermos mais, e planejar planos para o futuro. (fizemos a parte de campo da Insígnia um ano depois, foram mais oito dias juntos)

Assim nos conhecemos e assim trocamos muitas correspondências, pois apesar de sua cidade ficar a 180 quilômetros da minha, era uma época muito difícil para um intercambio maior. Estrada de terra, poucos ônibus e tínhamos que fazer uma baldeação, pois de sua cidade até o entroncamento da rodovia federal a distancia era de 58 quilômetros em uma péssima estrada carroçável e com poucos veículos circulando. Telefone nem pensar. Muito difícil. (mais tarde, fui lá varias vezes de bicicleta, eu e vários escoteiros da tropa)

Mas voltemos à correspondência do Chefe Gafanhoto. Ele me convidava para um acampamento com as tropa escoteira, nas férias de julho, na fazenda de um pai de um escoteiro dele, de uma semana, com quase todas as despesas pagas. (o pai ofereceu transporte em carros de boi, da estrada até a fazenda (nove quilômetros) carne de boi, porco e frangos, ovos, gordura de porco, arroz, feijão leite, verduras e frutas da época, pois havia um belo pomar em sua fazenda.

Seria uma incoerência não aceitar tal dádiva, pois vi que os gastos seriam mínimos e já estava em nosso programa um acampamento nesta data. Era só mudar o local.

Conseguimos através da prefeitura local um caminhão que nos levaria até o entroncamento e nos buscaria no dia determinado. Os preparativos foram intensos, a tropa muito motivada (quatro patrulhas duas com 7 escoteiros e duas com oito).

Chegou o grande dia, saímos pela manhã, e a viagem de caminhão seria de mais ou menos três hs até a entrada da fazenda. Combinamos via correspondência encontrar a tropa do ch. Gafanhoto entre 12 e 13 horas. De lá, juntos iríamos até o local determinado.

O pior ainda estava por acontecer. Uma chuva torrencial nos pegou pelo caminho. Era um caminhão sem lona, só com bancos. Abrimos algumas lonas mas o vento pouco ajudava. Chegamos com um atraso de duas horas. E então vimos que a estrada onde estava marcado o encontro e encontraríamos o chefe Gafanhoto estava toda enlameada, e a única ponte havia sido levada pela enchente. Do outro lado, avistamos a tropa do nosso amigo. Algazarra dos dois lados, mas sem possibilidade de atravessarmos pois o riacho totalmente cheio e sem ponte nos obrigava a estudar um novo plano.

Aos gritos tentamos nos comunicar, mas pouco se entendia por causa da chuva e do barulho do riacho. Um dos monitores veio com um par de bandeirolas (todas as patrulhas tinham sinaleiros) e aí começamos a nos entender por semáforas. Decidimos dispensar nosso caminhão. Estava fora de cogitação voltar.

Ali mesmo ao lado da estrada os monitores começaram a armar suas barracas de duas lonas, fizeram uma pequena cozinha e um pequeno acampamento foi montado em instantes. Do outro lado a tropa fazia a mesma coisa. Um posto de transmissão foi montado e conversamos com todos do outro lado, devagar, mas nos entendo bem.

À noite, a chuva tinha diminuído mas não cessada. Dormimos molhados, mas com sonhos de um sol brilhante e quente ao alvorecer.

O amanhecer não trouxe um belo dia, mas pelo menos sem chuva. Para surpresa um monitor me comunicou (estava só, pois os assistentes não vieram por diversos motivos) que achou em sua barraca, quatro escorpiões amarelos.  Preocupado, chamei os monitores e juntos inspecionamos todas as barracas. Eram em grande numero. Um perigo. Mas sempre temos a proteção de Deus.

Ainda bem não tivemos alguém picado por um deles. Desmontamos devagar o campo, olhando com carinho as dobras (para não levar escorpiões juntos) e resolvemos fazer uma jangada para a travessia, pois sem a ponte a diminuição das águas seria demorada. Nosso programa era acampar junto à tropa do ch. Gafanhoto e de maneira nenhuma iríamos desistir da nossa intenção.

Demoramos mas conseguimos. Foi divertido passar uma corda para o outro lado a fim de firmar a jangada. Um monitor fez um arco e uma flecha, amarrou um cabo (juntamos 5 cabos para dar o comprimento ideal pois todos usavam cintura um na época) e foi preciso de muitas tentativas antes de conseguir.

Não era uma bela jangada, mas deu para o gasto. A travessia demorou toda à tarde. La pelas 19 hs, estávamos confraternizado com a outra tropa. Era o inicio de uma grande amizade entre os jovens. Dois dias haviam-se passado. Não perdidos pois a aventura apenas tinha começado.

Quatro carros de bois estavam a nossa espera. Carregamos todo o material pesado e conversando e cantando, marchamos para o local do acampamento. O pai e dono da fazenda veio a cavalo, nos parabenizou pela travessia e disse que tinha pedido a sua cozinheira para fazer um grande sopão de arroz e muito angu (polenta) com carne de porco. Não precisaríamos fazer o jantar naquele dia.

Aqueles nove quilômetros até a fazenda foi o inicio de uma grande fraternidade. Cantando, sorrindo, fazendo amizades que iriam perdurar por muitos e muitos anos. Quando chegamos a casa sede, jantamos e lá pela meia noite, iniciamos a montagem de nosso acampamento.

A tropa do chefe Gafanhoto era muito bem adestrada. Vimos que eles possuíam todas as pioneirias básicas em cada campo de patrulha. Os monitores também eram de uma cortesia e lealdade e assim procediam em todas as atividades em conjunto. Montamos um pequeno campo de chefia onde eu o Chefe Gafanhoto e mais 4 assistentes escolhemos como nossa morada.

Não vou aqui entrar em detalhes de tudo que aconteceu.  Teria que escrever mais cinco ou quem sabe vinte folhas. Não quero que os amigos que me lêem percam tempo e quem sabe poderiam perder o interesse. Portanto com certa mágoa e pesar, fico sem narrar a invasão dos bois ao campo, da lagoa do sapo gigante de três pernas, do peixe de cinco quilos pego por um escoteiro da patrulha leão. De escoteiros que sumiram por um dia inteiro, e só retornaram à tarde com três sacolas cheia de goiabas deliciosas.

Seria bom narrar como usamos a floresta dos bambus gigantes, imensos, do escoteiro que quebrou a perna, foi a cavalo até um médico próximo e voltou para o acampamento. Mesmo assim não deixou de participar das outras atividades. Não me esqueço da caça ao porco selvagem, do Lobo Guará que apareceu com 6 crias e não saiam do campo, de três jovens filhos de meeiros que se juntaram as patrulhas em todo acampamento (muito choro na partida), e da gruta do lago cinzento inexplorada. Tomamos banhos diversas vezes em seu lago profundo.

Foi interessante a insistência de dois pistoleiros que queriam participar conosco de um grande jogo noturno (houve interferência do dono da fazenda), da invasão dos carrapatos, do cachorro ladrão e da árvore fantasma. Do córrego das pedras preciosas, da filha do fazendeiro que encantou a dois chefes que se achavam formosos, do feijão tropeiro feito no último dia, do leite fresco que fez ambas as tropas correrem para o mato freqüentemente, e do Fogo de Conselho, uma apoteose.

Impossível esquecer o barulho feito pelas rodas dos carros de boi, de todos a cantarem e rirem durante o retorno, enfim de detalhes que nos deslumbrou e nunca foram esquecidos. Não houve participantes que na estrada federal, quando da partida de cada tropa para sua cidade, choraram e alguns já dentro do caminhão, se mostravam deprimidos e tristonhos.

Final do acampamento. Voltamos para nossa cidade. O riacho estava meio seco, fácil para atravessar a pé. Voltamos para nossas vidas. Nas reuniões de tropa, os comentários faziam inveja aos seniores que não foram e historias para os lobinhos que um dia também teriam o que contar.

Foi um dos meus melhores acampamentos. Ficou marcado na lembrança. Ali fizemos amizades que perduraram por muito tempo.

Depois da década de 70, não vi mais o ch. Gafanhoto. Ele não deu mais noticias e nem eu. Mudei-me daquela cidade e talvez seja culpado por não procurá-lo mais uma vez. Não sei se o grupo dele permanece na ativa, mas era um grande chefe e com escoteiros que obtiveram tudo aquilo do escotismo e das aventuras que ele oferece.

Como é bom ser escoteiro. Sempre temos história para contar. Assim como você que me lê, garanto que deve estar se lembrando, do acampamento inesquecível, marcante em forma de memória que permanecerão vivas por toa a existência. São saudades assim que marcam uma vida. Fazem de nós escoteiros uns românticos do passado e do futuro.

Histórias dignificam o “Espírito Escoteiro”. Somos uma irmandade sem igual. Temos em comum, a força e mesmo fantasiosos agradecemos a Deus por tudo que nos oferece. E quando o tempo passar poderemos dizer sem receio que também somos heróis. E olhar aqui e ali e falar – “Valeu a pena e se valeu!!!

E quem quiser que conte outra...

"Cada homem tem a sua hora. Cabe a cada um escolhê-la.”
Anônimo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....