A Montanha do Pássaro Azul
Deixa um traço de alegria onde passes e a tua alegria será sempre acrescentada mais à frente. *
Uma vez, em viagem por uma cidade do interior, me contaram uma historia simples, divertida que aconteceu na vida dos seniores do Grupo Escoteiro local. Disseram-me que o ocorrido foi motivo de piadas e algumas “chacotas” por parte de amigos que ficaram sabendo do fato. Como era inusitado todos estranharam pela maneira como aconteceu.
Afirmaram-me ser um fato real. Como eram escoteiros os que me contavam, acreditei. Nunca duvido, pois sei que o Escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais que sua própria vida.
Aconteceu com a Tropa Sênior. Na época eram duas patrulhas, foram 4 há alguns anos atrás. A evasão foi provocada porque O Chefe Sênior ficou doente, afastado por alguns meses e o assistente não soube conduzir com maestria a tropa. Alguns desistiram. Outros continuaram. Eram aqueles que diziam que com chefe ou sem chefe a tropa anda. E andou mesmo.
O Chefe Sênior logo voltou às lides e tudo continuou como antes de sua saída. A patrulha Yawara tinha 5 seniores e a Anajé 6.
Há muitos anos a Tropa Sênior Tiriyó tinha como tradição, manter limpa uma pequena capela na Serra da Piteira, mais conhecida por eles como a Montanha do Pássaro Azul. Porque este nome não sabiam. Num determinado dia do mês de agosto, aniversário da santa que dava nome a capela, uma multidão de devotos e romeiros e diversos padres subiam até lá e rezavam varias missas.
Muitos dos devotos cumpriam promessa e estas muitas vezes levavam a pequenos acidentes. A presença dos seniores era considerada uma dádiva pelos padres. Mais tarde uma equipe do Corpo de Bombeiros colocou no local uma equipe para ajudar.
Aguardavam com saudade esta data. Para eles foi e sempre seria uma grande atividade. Na quinta antes da partida, estavam todos na sede, preparando o material necessário. Sairiam à noite de sexta e voltariam no domingo. Sem barracas, pois dormiriam na própria capela. Pouca intendência e pouco material de sapa. Usariam a ração B, dois cafés, dois almoços e uma janta. Tudo acondicionado nas mochilas de cada um.
Gostavam da viagem. Encontravam-se na praça da estação, e pegavam o trem noturno das 19:30 horas. Uma delicia de passeio. Claro que de segunda classe. Poltronas de madeira, mas se divertiam muito. Passavam pela primeira cidade e após hora e meia ficavam na escada do trem para descer.
O trem não parava. Uns 400 metros antes do túnel o trem diminuía a marcha, pois não podia passar por ele a mais de 20 ou 30 quilômetros por hora. Aproveitavam o embalo e desciam do trem em movimento. Eram peritos nisto. E como gostavam.
O maquinista velho conhecido sabia e colaborava. Não podia haver erro. Após o túnel era descida e a locomotiva chegava a alcançar 60 por hora.
Ali, próximo ao túnel começava a subida. Primeiro atravessavam uma pequena mata de não mais que um quilometro e após esta uma subida muito íngreme que levava ao topo onde devagar iriam chegar à capela. Era mais uns 5 a 6 quilômetros.
Gostavam desde caminho por ser mais aventureiro e pela viagem de trem. Muito capim “gordura” e em lá no alto só samambaias. Os devotos e os padres iam de ônibus ou condução própria pela estrada e em determinado local ficavam estacionados. A subida a pé, não era mais que dois quilômetros.
Após percorrem um bom trecho, o chefe deu ordens de parada e descansar por vinte minutos. Foi aí que aconteceu. Como não estava presente um dos participantes me contou. Era o meu narrador quem falava.
Ao sentar para descansar, um sênior colocou sua mochila em posição para servir de travesseiro, mas ela sumiu no meio do capim “gordura”, e isto o assustou. Não só ele como todos quando foi dado o alarme. Com facões começaram a capinar e descobriram um grande buraco que por ser noite não se tinha a idéia da distancia do fundo.
Improvisou-se com um pequeno lampião a gás, amarrado a um sisal, e ele foi iluminando tudo. Era de estarrecer. Mais de 50 metros até o fundo. Claro, havia sempre uma pequena saliência a cada dez metros. Viram a mochila presa na segunda saliência.
Improvisaram com uma corda a descida de um sênior. Mas esta não dava para ir até a segunda saliência. O jeito foi descer mais dois seniores e amarraram na ponta da corda um sisal para puxar depois. Chegaram até a mochila e ficaram boquiaberto. Varias entradas de minas, pequenas cavernas, com trilhos e carroças de madeira, mas em estado de deterioração avançada.
Avisaram o chefe. Todos quiseram descer. Ele preparou um sisal duplo, passado em volta de uma pequena arvore para puxar a corda quando retornarem. Todos desceram. Levaram um rolo de sisal para eventualidades.
Iniciaram a exploração da mina. O sisal serviria para mostrar o caminho de volta. Não iriam muito longe. Pequenas estalactites já estavam sendo formadas. Nada descobriram e o chefe explicou que por ser uma região aurífera no passado, devia ter sido explorada ainda na época dos escravos, abandonada por que não existia mais ouro.
Eis que um sênior viu uma pequena pepita encravada na lateral do túnel. Escavaram com o facão e descobriram mais 5. Alegria geral. Os seniores estavam ficando ricos. Mais 8 pepitas e nada mais encontraram. Voltaram. O chefe guardou as pepitas. Iria avaliar com alguém que conhecesse ouro. Estava determinado que uma parte fosse usado para a reforma da sede e um material novo de intendência para as patrulhas. Seniores e Escoteiras.
Saíram do buraco e foram para o seu destino. Tudo transcorreu normalmente. Fizeram uma grande limpeza na capela. Deu trabalho. A água era retirada de uma pequena mina 500 metros abaixo. Melhoraram também a mina de água. Estava entupida de mato.
No domingo começaram a chegar os romeiros. Cantando, alegres e os padres os avistaram. Comprimentos e agradecimentos. O dia seguiu tranqüilo. À tardinha, quando não havia mais ninguém começaram a descida. Voltaram pelo caminho que levava a estrada. Mais curto. Lá pegaram um ônibus de carreira.
Na viagem do retorno sonhavam como era ser rico, passeios, roupas novas e dar uma vida melhor aos pais. O sonho não demorou muito. A chegada à cidade foi rápida.
No dia seguinte dois seniores e o chefe foram até um ouríveres. Ele riu e disse que as pepitas não tinha valor. Por que, perguntaram. São chamadas de “ouro de tolos”, colocadas em paredes de minas por exploradores profissionais, que nada descobrindo deixam suas pistas para os inexperientes.
É a reforma da sede ficou para outra ocasião. Mas valeu para aqueles seniores aquela e muitas outras atividades que marcaram a vida de todos.
E quem quiser que conte outra...
A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento.
Platão
Platão
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