Recordações
Às vezes é melhor ficar quieto e deixar que pensem que você é um idiota do que abrir a boca e não deixar nenhuma duvida.
Reminiscências de um Velho Lobo
Os maravilhosos lobinhos...
Estava eu absorto em meus pensamentos, triste, problemas mil e olhando para baixo, pensando, pensando, quando um lobinho Pata Tenra passou pôr mim, (muito bem uniformizado por sinal) parou, ficou em posição de sentido e disse: _ “Melhor possível chefe!“ - Fiquei em pé e sorri meio sem jeito retribuindo a saudação. Melhor possível! Melhor Possível...
- Ah! Esses lobinhos maravilhosos e suas maravilhosas poses e sorrisos...
E meus problemas? Hã, esqueci todos....
Quando passei para a Tropa de Escoteiros
- Logo após ter passado para a tropa de Escoteiros, vindo da Alcatéia, senti uma grande liberdade na patrulha pôr mim escolhida (deixavam que os lobinhos pudessem escolher suas patrulhas ao fazer a Trilha). O Chefe e dois dos assistentes foram grandes amigos e foi um choque ao ver um monitor dirigir sem a presença dele em diversas ocasiões. Era um susto e tanto, pois na Alcatéia não tínhamos essa liberdade tão aberta!
- Ali encontrei muita amizade e companheirismo. Tinha alguma preocupação com a liberdade de todos e me preocupava sempre com que fazíamos. Havia sempre o receio se desse errado em alguma atividade.
- Nem bem tinha completado três meses de tropa, e saímos pela manhã de um domingo (somente a patrulha em uma carta prego) indo de ônibus até a periferia da cidade e lá nos dirigimos a um sitio de um velho amigo do Grupo, que pôr sinal era sempre visitado pôr muitos escoteiros.
- Na patrulha havia dois cargos em aberto, explico melhor - Todos nós escolhíamos nossas responsabilidades na patrulha e caso houvesse mais de um interessado no mesmo cargo, era feito sorteio. Assim, escolhi ser o escriba da Patrulha. Tinha facilidades para escrever e como um “Pata Tenra” achava ser a mais fácil.
- Chegamos ao sitio pôr volta das 08 e meia da manhã. Não era bem um sitio, estava mais para uma fazenda. Somente um sitiante na porta de entrada, pois o local quase não era explorado e se mantinha intacto principalmente a mata e pastos. Alguns bois, alguns cavalos, e mais nada. A casa sede era pobre. Três cômodos sem banheiro. Instalamo-nos e logo procuramos uma arvore para o cerimonial da Bandeira. Deram-me a honra de hasteá-la.
Nosso monitor era calmo e ponderado. Era um autentico líder. Comecei a me acalmar à medida que participava das atividades. Os chefes já não faziam falta. Treinamos barraca, machadinha, nós (sem teoria) e corte de lenha, tudo isso pela manhã.
As 12 h fizemos um lanche. Foi nesta hora que resolvi dar um giro pôr conta própria sem falar com os demais. Atrás da casa havia um arvoredo muito bonito e ouvi um barulho de uma cascata. Dirigi-me até lá. Não era tão perto.
Andei um bocado! - No meio das árvores só o barulho me chamava a atenção. Enfim avistei um pequeno riacho com águas límpidas e claras. Tão claras que se avistava o fundo. Fiquei hipnotizado! - Como era belo tudo aquilo! - Lembrei dos diversos contos da História da Jângal, contadas pela nossa Akelá, nas belas historias de Mowgli junto ao Balu e Baguera.
- Passei um pouco de água no rosto e vi que era hora de voltar junto a Patrulha. Dei meia volta e senti um calafrio! - Não sabia pôr onde tinha vindo! - Comecei a tremer nos meus 11 anos, agora cheio de dúvidas. Não sabia se chorava ou se confiava que me achariam facilmente. Optei pôr ficar ali.
- O tempo passava e eu já estava chorando baixinho. Senti uma mão no meu ombro. Levei um enorme susto. Era o nosso monitor. Graças a Deus! - Voltamos junto e no caminho pensei que meu papelão seria ridicularizado pôr todos.
Estava cada um fazendo uma atividade diferente. Nosso monitor pediu a um 2a. Classe para me dar um adestramento de posicionamento e marcação de pontos cardeais para ser usado quando se anda em pequenos bosques. Ainda não estava na hora de um bom adestramento de bússola e orientação. Tudo deveria fluir naturalmente e na hora certa!
- Não houve sermão. Só um pequeno lembrete pelo monitor e comigo a sós. Sorri agradecido. Nunca mais se repetiu.
O esforço para fazer a promessa
- Eu me lembro até hoje de como foi difícil para “tirar“ as provas de Noviço. Todo o dia olhava meu uniforme com carinho. Estava perfeito no guarda roupa. Engomado. O cinto já havia recebido várias “graxas” para “amaciar” o couro e fazê-lo durar mais. O metal brilhava, pois eu não economizava na pasta de dente (usada naquela época para manter o metal e seu brilho).
Aguardava com ansiedade o dia da minha Promessa. Já sabia ela de cor e salteado e tinha até treinado em frente ao espelho, a “pose” que iria fazer. Só quem passou pôr isso sabe o valor da Promessa.
- Entendia perfeitamente o seu significado - Era sempre assunto no “Conselho de Patrulha”. A Côrte de Honra tinha aprovado e o próprio chefe conversou diversas vezes comigo a respeito.
Quando chegou o dia foi o mais feliz em minha vida. Aquele uniforme tinha um valor tremendo. Lutei pôr isto. Mereci usá-lo. Os desafios das demais provas seriam mais fáceis agora.
Nunca mais esqueci aquele dia.
Quando sênior indo para os pioneiros
Por diversas vezes tomamos conhecimento que perto de uma cidade, existia uma que era considerada “Cidade fantasma“. Ficava próxima a um rio caudaloso que acompanhava a estrada de ferro.
- A História era antiga. Quando da construção da Ferrovia, devido ao ataque freqüente dos Índios e da malária, que dizimava completamente a maioria dos trabalhadores, não havia peão que ficava muito tempo na Empresa encarregada da construção. As obras estavam freqüentemente ficando atrasadas.
- O Governo pressionado, pois queria a todo custo terminar a obra, ofereceu liberdade condicional aos presos na Capital e algumas grandes cidades, em troca do trabalho forçado para a Estrada de Ferro. Pelo contrato, após 1 ano de serviço, estariam livres.
- A lenda contava que em uma determinada cidade, como muitas que apareciam com a ferrovia à maioria dos criminosos ali residiam.
- O padre local sempre fora contra este tipo de fato e era freqüentemente jurado de morte pelos bandidos. Durante uma procissão da Semana Santa junto a milhares de fieis, agarraram o “dito cujo“ e o enterraram em frente à Matriz só com o pescoço para fora.
Dizem que suas últimas palavras foram que não ficaria pedra sobre pedra naquela cidade. A maldição parece que “emplacou“. Dai há alguns anos a cidade foi ficando deserta e praticamente não ficou uma viva alma. (a Estrada de Ferro mudou de itinerário e a população acompanhou, fundando outra cidade).
- Chegamos lá antes das 11 da manhã. Havia uma rua com calçamento de pedra e pequenas paredes era o que restavam das casas que ali existiram. Montamos barraca. Queríamos ouvir o famoso e “Celebre” grito do Padre que todos juravam ouvir após a meia noite. Era um desafio a nossa coragem. Não perguntamos e não pedimos orientação a ninguém. Ali eram os quatro mais experientes do Grupo. Não havia nada que não enfrentávamos de frente.
- A tarde corria solta. O sol se pôs no horizonte e se foi. A noite chegou brava e eu estava fazendo o meu “Celebre e histórico“ sopão. Ainda não eram 11 horas da noite. O Grito foi ensurdecedor! - Gelei! - Os “mosqueteiros“ correram para a cozinha. Ficamos ali grudados uns aos outros. Era uma tremedeira geral. O Grito aumentava mais ainda quando o vento soprava mais forte. Caminhamos em direção ao Grito. Não preciso explicar como estávamos. Vinha da praça onde enterraram o padre, pensei.
- O medo aflorava a pele! - Mas éramos insistentes e caminhávamos no rumo da pedra onde pensávamos vinha o grito. Que piada. O grito do padre nada mais era que uma fenda que ia de um lado a outro da pedra. O vento forte vindo do rio próximo entrava pôr um lado e saia pôr outro e uma espécie de apito davam impressão de um grito.
Sobre o uniforme sênior
- Estava eu - em um ônibus absorto em meus pensamentos e eis que uma surpresa agradável aconteceu. Em um ponto subiu uma patrulha Sênior, que pela maneira como conversavam, deviam estar de retorno de alguma atividade aventureira. Abri o meu melhor sorriso, mas nenhum deles olhou para mim. Ia-me apresentar quando um passageiro a minha frente comentou com seu amigo - Que “diabos” é isso?
- Não sei retrucou o outro devem ser alguma gangue de bairro. - Parece que alguns deles têm algumas roupas parecidas e dois deles estão com um lenço no pescoço! Podem ser de algum desses colégios indisciplinados de bairro!
Já ia interferir na conversa para dizer que eram escoteiros seniores, mas desisti - logo vi um dos jovens mascando chicletes e ouvia displicente um radinho de pilha em som alto. Seus uniformes estavam em pandarecos. Uns três estavam com o lenço pendurado no cinto e com a alça da camisa fora da calça. Alguns incomodavam os demais passageiros com suas mochilas carregadas, sem se preocuparem com a boa educação.
Pensei comigo, não deve ser uma boa tropa sênior. Pensam que são, mas tenho certeza que não. Conheço os seniores. São leais as normas. Fazem questão de se apresentarem como representantes do Movimento Escoteiro. Acredito que estes ainda não “pegaram” o Espírito Escoteiro.
É melhor que pensem que são jovens de algum colégio, pois seus jeans desbotados e camisas azuis sem os lenços e com boinas pretas viradas ao contrário não os identificam.
Melhor para o Movimento Escoteiro.
Ensinamentos de um velho escoteiro
Todas as sextas feiras, a chefia e pais convidados do nosso grupo escoteiro, reuníamos em um pisaria, e ali conversando, trocando idéias, nos conhecíamos melhor. Alem é claro da motivação que isto trazia para todos nós.
A noite transcorria calma e gostosa, quando alguém gritou próxima a porta: - É um assalto! - Todos para o chão! Quem se mexer leva bala! - Tremi na base - Alguém pisou em minhas costas - Levanta a cabeça e leva um balaço seu m.! Só os ladrões gritavam. Ninguém falava nada. Falar o que?
- Uma sirene baixa e aumentando o volume progressivamente foi ouvido pôr todos, um principio de silencio e logo um dos ladrões gritou alto! - Corram, é a policia! - Cada um pra si e Deus pra todos. Em segundos desapareceram. Graças a Deus não levaram nada e ninguém foi ferido.
Estávamos acalmando aos poucos. Meu coração ainda estava disparado. Outra rodada de chope foi pedida. Poucos falavam agora.
- Afinal e o carro da policia que não chega?
A sirene começou baixa de novo. Um assistente da Tropa Sênior era o responsável pôr ela.
Pó meu! - foi você? - Não era a policia? - Se os ladrões descobrem você estava frito - onde aprendeu?
- Aprendi com um velho chefe em um curso. Ele me disse que se imitasse bem poderia utilizar algum dia - completou. É, acho que valeu!
Historias de Fogo de Conselho
Foi escolhido um local, próximo a uma pequena mata, onde existia uma casa abandonada e todos concordaram. Ficava a uns 400 metros do acampamento. A Patrulha de serviço não perdeu tempo. Logo que chegaram preparou o fogo dentro dos padrões técnicos para evitar incêndios, e tinha que ser acesa com no máximo dois palitos de fósforos. Se não conseguissem, outra patrulha assumiria o que dificilmente acontecia.
Não havia um “Animador de Fogo de Conselho”. Este iria surgir naturalmente no desenrolar da noite. Qualquer programa escrito estava fora de cogitação. Não iriam se prender a um roteiro, pois ali, naquela noite e em todas às outras a participação era completa. Sabiam o que queriam e iriam fazer conforme a Tradição de Tropa.
Se havia uma coisa que detestavam, era o tal Lampião do Conselho. Dava até vontade de rir do tal Lampião. Diziam que um bom mateiro ascende o fogo em qualquer tempo e em qualquer lugar. Eu acreditava, pois o adestramento da tropa sempre foi um dos melhores. Enquanto isto os demais não se afastavam muito, pois a escuridão da noite e o lugar davam calafrios. (não havia luar)
Todos foram chamados e se assentaram a bel prazer, enquanto um Escoteiro acendia o fogo. Nesta hora, ficaram de pé, e como tradição antiga invocaram os Espíritos dos Ventos e a viva voz, cantaram a Canção do Fogo de Conselho. Cantavam com gosto. Às chamas já se esticavam aos céus quando terminaram. Ouviram alguém bater palmas. Não eram eles. Se havia alguém escondido para amedrontar não seria com aquela Tropa. Um dos chefes deu uma busca em volta da casa e dentro dela. Nada.
Continuaram. Logo uma Patrulha imitava outra quando da enchente (no primeiro dia uma forte chuva abarrotou as barracas de lama). Surgiram palmas escoteiras inventadas na hora. Uma parada para conversa, um chocolate quente, uma mordida num biscoito. Conversas paralelas. Alguém alimenta o fogo, um dedilha o violão e outro começa a cantar. Alguns acompanham dois se encaminham para o centro da arena e começam a representar um Chefe e um Monitor. Risadas, palmas.
Pedem um jogo, um Monitor se oferece para fazer um novo, aprendido em outra atividade. Um grito. Não muito alto. A tropa se cala. É brincadeira de alguém. Eles aceitam a participação do “Fantasma”. Vai quebrar a cara pensam. Não foi a primeira vez. Ouvem outras em outros acampamentos. Agora não seriam surpreendidos.
Continuam às canções, improvisações, batem papos, jogos e até um pequeno Adestramento de primeiros socorros. Não faltou o Contador de Historias, e nessa o monitor mais antigo se destacava. Era assim o fogo da Tropa.
Às brasas começaram a aparecer. A lenha foi terminando e todos demonstravam sono. Uma boca abre aqui, outra ali. A noite avançou sem ninguém perceber. Um Chefe convida a todos para encerrarem com a Cadeia da Fraternidade. Começam a cantar e param. Todos olham para dentro da casa e vêem uma luz azul brilhante. Ficam estáticos. Alguns vão até lá e dentro da casa não há luz! - Já existem tremedeiras. Sem falar voltam para o acampamento. Ninguém quer ir à frente nem ficar atrás.
Dormiram encostados uns nos outros mesmo com a chefia alegrando e encorajando todos. No dia seguinte, após o desarme do campo, na cerimônia da Bandeira, um morador das proximidades estava presente assistindo de longe. Um Chefe o convidou para participar na ferradura. Ele veio sem jeito e ali permaneceu até o final.
Uma rodinha se formou em redor dele, e ficaram sabendo a historia da “Morada do Fantasma”: - A casa foi construída pôr um jovem, - dizia - filho de um “meeiro” (usa a terra de uma fazenda para plantar, e paga parte da colheita ao dono) quando se casou. Com menos de quatro meses, ele matou a mulher porque achou que esta o traia. Não era verdade.
Foi preso e condenado há vários anos de prisão. Ninguém sabe onde está e quando vai sair da cadeia. O que todos sabem é que o espírito ou “fantasma” da mulher não abandonou a casa e até hoje e a mantém limpa e arrumada, mesmo sem móveis sem nada. Um padre já benzeu a casa, mas ela não sai de lá.
E quem quiser que conte outra...
Se num passado recente os homens tivessem sido adestrados para a paternidade, que nação diferente seriamos hoje! A massa, em vez de uma pequena minoria seria educada para produzir homens de caráter firme, camaradas sadios, sabendo como gosar e tirar o melhor proveito da vida, mas ponto o bem dos outros antes dos seus interesses egoístas.
Baden Powell
Nenhum comentário:
Postar um comentário