quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

RESPEITÁVEL PÚBLICO! COM VOCÊS... O PALHACINHO JUJÚ


RESPEITÁVEL PÚBLICO! COM VOCES... O PALHACINHO JUJU

O grande homem é aquele que não perdeu a candura de sua infância.
Provérbio chinês


Prefiro contar histórias alegres. As tristes me trazem desânimo e fico um pouco depressivo.  Minha mente sofre à medida que escrevo e muitas vezes as lágrimas aparecem suaves e rolam pelo meu rosto. Não paro de escrever. Continuo. É a hora que não posso perder a narrativa. Estão rindo de mim? Paciência. Sou emotivo e isto é que me fez acreditar muito no Movimento Escoteiro.

Não sei a impressão do que irão ter quando terminarem de ler este conto. Claro se forem até o fim. Este não é um conto cheio de alegrias, e nem um conto de fadas. Ainda não sei se vai ter um final feliz. É possível que sim ou talvez não. Finalmente, será que vale a pena escrever histórias aonde não vai se aproveitar o conteúdo a não ser chorar? Claro, a humanidade não é cheia de histórias infelizes? Onde os seres sofrem e sabem que isto faz parte de suas vidas?

A cada dia, a cada hora nos perguntamos o porquê de tudo isto. Porque é assim? Não podia ser de outra maneira? – Rezamos, pedimos a Deus uma mudança, uma alteração, no entanto a verdade é nua e crua. Tudo tem uma razão de ser. Em cada esquina encontramos pessoas taciturnas, caladas, deprimidas, andando como se fossem zumbis, pensando em seus problemas e como resolvê-los. Acredito que em também sou assim. Não seria lindo se todos sorrissem, dissessem bom dia! Boa tarde! Como Vai? Mas isto não acontece. A cidade não tem culpa. A culpa é nossa.

Não sei se este conto aconteceu. Acredito que sim. Estou pensando em não narrar para vocês. Irão duvidar. Iram achar que inventei e tirei de dentro de uma cartola de um mágico qualquer. Entretanto as mágicas são sempre como os palhaços, sabem nos encantar e sorrir com suas maneiras hilárias. Sabem como fazer-nos rir. Acredito que vocês já leram ou ouviram em algum lugar que os palhaços também choram.

Mas vamos lá. Justino nasceu dentro do Circo “Mundo Mágico”. Seus pais de descendência húngara, eram malabaristas, conheceram e se casaram dentro do circo. Não sabiam outra maneira de ganhar a vida, e o amor aquela lona enorme estava no coração, nas veias, na mente em todo o lugar do corpo. Seu número não era incrível como se dizia na apresentação. Eram sempre aplaudidos e isto era o bastante. Possuíam um pequeno trailer e lá guardavam toda sua fortuna ganha no circo. Poucas roupas, uma TV velha, um refrigerador a gás, algumas lembranças adquiridas aqui e ali. Não tinham sonhos grandiosos. Nem conta em banco, nem cartões de crédito. Sabiam que enfrentar o mundo fora daquela grande barraca seria um salto gigantesco. Acreditavam não estar preparados para isto.

Sua mãe não acreditou quando ficou grávida. Seu pai fez uma festa, distribuiu charutos e a noite dançaram e dançaram. Valsas vienenses, polcas e até um Fox trote, sem esquecer alguns sambas que desconheciam e que amigos trouxeram em discos de vinil para tocar em sua vitrola que funcionava perfeitamente. Finalmente Justino nasceu em uma noite próxima ao natal. O Circo ficou em festa e como presente não houve cobrança de ingressos naquele dia. Claro, mesmo assim o Circo não lotou. Lá estavam às mesmas pessoas, os mesmos amigos. Já estavam naquela cidade há meses. Sem dinheiro não havia possibilidade de ir para outra.

A princípio Justino sorria, pouco chorava, e seus pais tinham nele toda a alegria do mundo. O tempo foi passando e ao completar dois anos, viram que Justino não conseguia andar. Tentaram tudo e nada. Levaram Justino a um médico que diagnosticou uma doença rara que não era conhecida. Suas pernas não estavam atrofiadas. Assim mesmo Justino jamais iria andar. Justino sentia dor, sentia vibração, mexia com os dedos e por mais que quisesse não conseguia se firmar.

Seus pais não desistiram. Fizeram todo o tipo de terapia. Gastaram o que tinham e o que não tinham. Sem melhoras. Justino fez sete anos. Vivia em uma cadeira de rodas e os que não sabiam de sua deficiência viam ali um menino encantador. Ele cantava, girava na sua cadeira como se fosse um malabarista. E tinha um dom: - Se pintava de palhacinho e se transformava no mais alegre contador de piadas. 

Deixaram-no um dia se apresentar aos expectadores. Foi um sucesso. Ficou conhecido e aos sábados e domingos e a criançada enchia as arquibancadas, batiam palmas, pulavam, gritavam – Viva o palhacinho Jujú! Para Justino aquilo era o máximo em sua vida. Justino por fora, demonstrava uma força incrível. Era admirado. Nunca reclamava de sua situação. Seus pais acreditavam que ele tinha a plena felicidade. Mas infelizmente não sabia o que Justino sentia por dentro. O que se passava no coração daquele menino alegre e bonachão.

Justino nada dizia. Aprendeu com a vida que conviver com seus medos, suas sombras e seus sentimentos era a melhor maneira de demonstrar para si próprio que podia vencer. A noite, em um cantinho do circo, se recolhia em uma sombra e chorava. Chorava por não poder correr, brincar como qualquer criança e ir à escola normalmente. Esta foi sua primeira desilusão. Tentaram várias escolas próximas ao circo para matriculá-lo. Não foi aceito. Mostraram dificuldades de locomoção dentro da escola, os professores não estavam preparados e afinal ele era um circense sem ponto fixo. Para matricula havia necessidade de mostrar o tal comprovante de endereço e o do circo não servia.

Quando se aventurava a sair das cercanias do circo, nenhum menino, nenhuma turminha o aceitava. O olhavam com piedade, demonstravam compaixão ou mesmo gritavam piadinhas sem nexo. Coisa que Justino detestava. Justino voltava para seu ponto de reunião, atrás do trailer e ali chorava. Rezava pedindo a Deus uma vida diferente.

No dia seguinte, entretanto, quando a noite chegava, lá estava o Palhacinho Jujú a fazer a platéia sorrir, cantar, brincar como nunca. Agora os aplausos não faziam mais a alegria de Justino. Sentia-se feliz ali e infeliz depois. Tentava demonstrar para os pais que era um menino normal. Eles, entretanto estavam preocupados. Justino fez onze anos. Houve festa. Não grande desta vez. Uns poucos amigos do circo e alguns jovens que sem Justino saber, seu pai pagou para eles participarem. Pediu segredo. Não contariam para ninguém. Mas Justino viu que não se sentiam a vontade e nem se enturmou.

Justino naquele dia, no seu canto predileto chorou e chorou. Pediu a Deus que o levasse. Não podia continuar assim. Só seus pais e amigos do circo o amavam. Mais ninguém. Estava aprendendo a ler, escrever e já fazia a matemática como ninguém, mas graças ao senhor Josué, proprietário do circo que exigia muito dele. Olhem meus amigos. Fico deprimido quando conto esta história. Uma mágoa forte bate em meu coração. Lagrimas aparecem. Fico pensando se devo continuar contado a vocês. Tenho dúvidas. Não sei se vai trazer algum benefício. Mas afinal vocês são escoteiros e os escoteiros são amigos de todos e irmãos dos demais escoteiros.

Tenho que prosseguir. A Lei do Escoteiro é clara. Alegria e sorrir nas dificuldades faz parte da nossa rotina. Vou então continuar com mais uma parte da fábula que pode ou não ser verdadeira. Cada um acredite se quiser! No dia seguinte, logo cedo Justino foi até a uma ponte onde passava o Trem rápido da manhã. Ficou ali pensando se não seria melhor levar sua cadeira de rodas até ao meio da ponte e esperar o trem. Quem sabe era a melhor solução? Viu ao longe uma luz branca, vindo em forma de bruma em sua direção. Ficou com medo. Uma mulher linda, com estrelas em sua volta disse que não. Não era a solução para Justino.

Justino ficou cismado, deu meia volta e voltou “chusmado” para o circo. Não pensou mais em morrer. Mas a tristeza continuava funda em seu coração. Chorar não parou. Isto era o que o ajudava a enfrentar as charadas do dia a dia. Naquele sábado Justino não estava querendo se apresentar. Falou para seus pais que o demoveram da idéia. Justino com dificuldade fez sua caricatura de Palhacinho Jujú e mais triste que um palhaço não devia ser, se apresentou no picadeiro. Justino viu na arquibancada, um grande numero de jovens, meninos e meninas, alguns de azul, outros de caqui, com chapelão esquisitos que o aplaudiram com uma palma diferente, incrivelmente bonita, que tocou no fundo do coração de Justino.

Justino não sabia o que era e de onde seriam, mas se esforçou muito para que eles se divertissem com o Palhacinho Jujú. Mais palmas, mais Justino se transformava. Contou as mais lindas piadas. Até se arriscou no número do barril que rola e eles “rolaram” de rir. Justino queria continuar. Encontrou de novo sua vontade de viver. No entanto outra apresentação viria a seguir.

Saiu do palco pela coxia e ali atrás das cortinas ficou olhando a meninada. Eram alegres, batiam palmas diferentes, cantavam canções esquisitas e aplaudiam com uma sinceridade que tocou fundo o coração de Justino. Porque não era também um deles? Perguntou a si próprio Justino. A noite escura sem luar veio trazer de novo a realidade a Justino. A alegria do momento mágico se foi. De novo foi para o seu canto chorar. As lágrimas rolavam e Justino ficou ali horas e horas engasgado, não compreendendo porque tinha que ser assim.

Ele dormiu e sonhou. Um sonho lindo. Um campo com arvores aqui e alí, todos correndo, bandeiras ao vento, cantavam o Rataplã, e ao longe avistaram um acampamento, cheio de meninos, correndo também, brincando, jogando, e viu passar em sua mente toda a felicidade que um escoteiro que tem pernas sadias pode ter. Acordou. Pensou que seu sonho era realidade e iria acordar em uma barraca, ver o campo verdejante, naquelas campinas onde se avistava um rio com lindas cascatas, brilhantes, e ali junto com seus novos amigos, iria também brincar, jogar, subir em cordas, atravessar os rios, matas, florestas!

Acordou sim. No seu trailer, na sua cama de sempre. Sua mãe a fazer o café de sempre. Sua cadeira de rodas ao seu lado. Seu pai a cantarolar uma canção húngara como sempre o fizera. A realidade bateu firme em Justino. Lágrimas correram em seu rosto. Uma amargura profunda bateu forte no coração de Justino. Não deixou que seus pais vissem sua tristeza. Empurrou sua cadeira até a mesa, só tomou o café. Não conseguia engolir o pão. Sua garganta não deixava. Como todos os dias seu pai o levou até fora do trailer e ali ficou a olhar para o sol, que dizem brilhar para todos, mas que não brilhava para o desafortunado Justino.

Naquele dia, ele não foi passear pelos arredores como fazia sempre. Ficou ali taciturno, silencioso e mudo para o mundo que não gostava dele. Uma algazarra se formara no circo. Não entendeu bem. Chegaram vários adultos uniformizados de caqui, com chapelão na cabeça, a procura do Palhacinho Jujú. Seus pais se entreolharam e ouviram o que os chefes diziam. Falavam que o Grupo Escoteiro votou a favor de levar o Palhacinho Jujú até o Grupo e homenageá-lo. Justino continuava não entendendo. Quando o viram vieram e o abraçaram. Diziam que Justino era um grande Escoteiro sem o saber. O queriam na abertura da reunião e ali entregarem para ele um certificado de gratidão.

Justino não sabia o que dizer. Seus pais concordaram. Ficava a critério de Justino decidir se ia ou não. Ele estava perplexo. Não queria de novo sorrir e depois voltar as lides de suas tristezas noturnas sem saber se o dia de amanhã continuaria a ser o mesmo que sempre foi para ele. Mas como ele experimentara uma alegria que nunca teve quando no palco e foi aplaudido por eles, Justino achou que devia ir. Carecia de mostrar a todos que ele também era forte, não tanto como eles e podia sem sombra de dúvida rodopiar sua cadeira e fazer o que eles faziam.

Justino foi. Era um sábado à tarde. Estavam lá dezenas de meninos e meninas. Todos acercaram dele e fizeram mil perguntas. Quando se formaram em volta de um mastro, Justino também se formou perto de um chefe. Todos não tiravam os olhos dele. Quando a Bandeira Nacional foi hasteada, Justino chorou. Agora diferente. De Alegria. Após a cerimônia chamaram Justino ao meio da ferradura e entregaram a ele um certificado de gratidão do Grupo Escoteiro. Uma honra que não era entregue a qualquer um. Justino se emocionou. Um convite de um monitor o fez ficar indeciso, mas Justino não tinha medo. Aceitou. Naquele dia se tornou um Lobo. Mais um na patrulha.

Divertiu-se como nunca. Jogou com eles como se tivesse duas pernas. Cantou com eles. Aprendeu a dar nós em árvores, a fazer sinais, o que era uma patrulha, como era o Grupo Escoteiro. Uma grande fraternidade que se expandia pelo mundo todo. Justino vibrava em todo o seu ser. Final da reunião. Justino sabia como era. Sempre foi assim. Agora tudo acaba, voltar para casa. A rotina não muda, pensou. Sua mente procurava uma resposta que não vinha. E se no sábado seguinte pudesse voltar de novo e viver com eles? Sonhar em ser um deles? Um sonho impossível. Alí não cabia Justino. Era pobre, morava longe e a cadeira de rodas era um empecilho enorme.

Seu caminho era continuar sua vida de Palhacinho Jujú. Agora não se importava. Achava que valeu aquele dia. Ele sabia que tudo sempre acaba ou em vitória ou derrota. Não era um derrotado. Foi, viu, amou, participou e claro, acabou! Tudo sempre acabava para ele. Sempre foi assim. Voltou para casa, não triste, mas pensando em tudo que viveu junto aqueles formosos escoteiros e escoteiras. A noite foi para seu cantinho onde chorava, mas desta vez não chorou. Afinal Deus lhe deu uma oportunidade única. Ser Escoteiro por um dia. Isto era muito mais do que tinha sonhado.

Ficou ali por longo tempo vendo as estrelas, alguns cometas que passavam com pressa, admirando a beleza do infinito, mostrado ali naquele palco iluminado, que não era o seu circo, mas a beleza que Deus produziu para que os homens pudessem sentir quão pequenos eram diante de tudo. Os dias passaram e no outro final de semana uma enorme surpresa. De novo apareceram os mesmos chefes que o homenagearam. Disseram aos seus pais que o Grupo Escoteiro votou e por unaminidade resolveram adotar Justino como um escoteiro. Não haveria despesas. Eles iriam buscá-lo e trazê-lo. Tudo por conta do Grupo. Meu Deus! Seria possível?

Seus pais ficaram em dúvida. Justino também. Mas o coração do Palhacinho Jujú falou mais alto. Aceitou e tornou-se um Escoteiro da Patrulha Lobo. Fez amigos, amou cada um deles. Cresceu na patrulha. Foi segunda classe e nos acampamentos demonstrava uma agilidade sem tamanho. Ninguém notava que o Palhacinho Jujú andava em uma cadeira de rodas. Um belo dia, em um acampamento em Lagoa Dourada, acordou não viu ninguém e sua cadeira de rodas tinha sumido. Olhou para todos os lados e alguém parecia empurrá-lo para cima e para frente. A mulher da nuvem branca e as estrelas cintilantes estava ali com ele sorrindo e dizendo para não desistir. Andou com dificuldade, mas andou. Todos aplaudiram. Estavam escondidos e pretendiam fazer que Justino fizesse o que tinha de fazer.

Alguns disseram ser um milagre. Outros que Justino era um forte. Mas eu prefiro dizer que o espírito escoteiro fazia de Justino um grande e formoso escoteiro. E foi isto que o fez voltar a andar. Era gentil, educado, fazia amigos com facilidade. Admirado por todos pelo seu esforço pessoal. Sua promessa foi dita com sinceridade e a Lei Escoteira era tudo para ele. O escotismo faz coisas maravilhosas que só os que crêem sabem o que estou dizendo. Se duvida pergunte a quem já foi ou é escoteiro.

Justino voltou a andar normalmente. Estudou, entrou em uma faculdade, se formou, se tornou um homem com grandes qualidades morais. Trabalhando comprou um novo e enorme trailer para seus pais. Eles não queriam uma casa. O trailer era onde se sentiam bem. Justino ali continuou a morar. Não trabalhava mais no circo, mas era ainda muito querido por todos. Peguei vocês hein? Acharam que o final seria a morte de Justino ou seu desencanto com o mundo? Engano. Existe sempre um final feliz. Basta ver a história como uma verdade, como uma lição de vida para nos. Tenho certeza que quando leram sobre escoteiros no circo, já sabiam que Justino encontraria seu caminho e sua felicidade.

Claro, chorar é bom e como dizem faz bem a saúde. No entanto acreditar em um final feliz é melhor ainda. Eu gosto de lembrar a história de Justino. Conheci seu circo, seus pais, e Justino foi para mim um grande escoteiro e um grande exemplo. Quando adulto voltou as lides escoteiras como Escotista. Foi um grande chefe.

Hoje, o circo não existe mais. Todos se foram. Até Justino. Pena. Me lembro ainda das piadas, da maneira de interpretar do Palhacinho Jujú. Mas em cada coração daquela juventude do Grupo Escoteiro que conviveu com Justino, bate forte ao lembrar-se do Palhacinho Jujú. A emoção de vê-lo andar nunca será esquecida. Eu sei disto. Não acreditam? Eu estava lá!
E assim termina a historia do Chefe Justino, ou melhor, do Palhacinho Jujú.
E quem quiser que conte outra...

"A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido.
 Não na vitória propriamente dita."
Mahatma Gandhi
        






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