sábado, 20 de abril de 2019

Lendas escoteiras. As névoas brancas do Rio Formoso.




Lendas escoteiras.
As névoas brancas do Rio Formoso.

Prólogo: - Dê a ele a aventura que gostaria de viver. Deixe-o seguir com os outros a procura de sua felicidade. A vida é ou uma aventura audaciosa, ou não é nada. A segurança é geralmente uma superstição. Ela não existe na natureza.

O nada é a profecia da minha partida
o tudo é sopro que busca aquiescer
sou uma cor do arco-iris... Perdida
o lume solar na gota de chuva a correr
para beijar a névoa que deita escondida
a deleitar-se nos braços do amanhecer. (Cellina).


                      Faz muito, muito tempo quando a Patrulha descobriu as lindas e espetaculares cachoeiras do Rio Formoso. Eram incrivelmente belas. Ainda sem rastros humanos. Pensei comigo que precisava acampar ali. Três quedas simultâneas, um som imperdível das cataratas caindo sobre as pedras e dando outro salto no espaço. Em volta uma floresta ainda inóspita a névoa se formava a qualquer hora do dia. Uma visão fantástica. Quando vi pela primeira vez eu estava com meu quatorze anos. Descobrimos por acaso. Íamos fazer uma jornada até o Serrado do Gavião onde existiam milhões de Folhas Secas. Um terreno vazio, sem árvores e muitas folhas. Era um mistério saber de onde vinham. Soubemos da história. Vamos lá disse o Monitor. Patrulha Escoteira vivida, cheia de ardor, procurando aventuras, vontade de enfrentar desafios e nada como descobrir. Está no sangue dos escoteiros.

                    O caminho iniciava na Mata do Tenente, famosa porque uma patrulha do exército ficou vinte dias perdidos e saíram com dificuldade, fracos e quase morreram. Bem, eles não eram escoteiros como nós. Risos. A mata não era um obstáculo e o rio sim. Com quatro horas de viagem, vimos uma bruma cinza que se espraiava no ar. A mata parecia que estava sendo tomada por chamas de fuligem. Que seria? O ribombar da cachoeira nos fez estremecer. Um espetáculo magnifico. Incrivelmente fantástico! A cachoeira formava redemoinhos no ar. Uma nuvem de vapor cobria certas partes da queda d’água. Os pássaros se deleitavam. Voavam de supimpa naqueles redemoinhos e saiam do outro lado molhados como se estivessem sorrindo. Não entendemos o porquê da névoa. O Rio Formoso era todo formado por quedas de diversos tamanhos e na falta delas, as corredeiras davam outro brilho aquele magnífico rio. Quem o batizou deveria ter sonhado muito com coisas belas, pois o Rio era formoso e dava um grande espetáculo.

                    Pretendíamos chegar ao Serrado do Gavião ainda naquela tarde se não parássemos nossa jornada só no dia seguinte. Aquele espetáculo da cachoeira com seu ribombar parecendo trovão nos hipnotizava. Sentamos numa pedra próxima e os barulhos das diversas quedas d’água eram tão intensos que mal dava para conversarmos. O ribombar das águas batendo nas pedras eram vigorosos.  Nosso Monitor levantou e fez o sinal para prosseguir. Mochilas as costas. Fomos em frente. Com tristeza, pois sabíamos que na volta o caminho não seria o mesmo. Voltaríamos pela Mata do Peixoto já conhecida. Subimos as pedras, olhamos novamente, pois íamos embrenhar na mata longe do Rio Formoso. Impossível prosseguir.

                  Aquela cachoeira nos hipnotizava. Parecia dizer para nós que não podíamos deixá-la sozinha na noite que estava por vir. Paramos. Um círculo de seis escoteiros se formou. Ir ou parar? Seis votos a favor, nenhum contra. Todos escolheram e Monitor aceitou. Escolhemos um local próximo à primeira queda para pernoitar. Não armamos barracas. Iriamos dormir sob as estrelas em pedras lisas que as enchentes do Rio Formoso por anos e anos construíram. Sem sinal de chuva. “Vermelho ao sol por, delicia do pastor”. A noite chegou um jantarzinho gostoso foi servido pelo nosso cozinheiro. Comemos ali mesmo olhando para as quedas no lusco fusco da tarde. Um espetáculo maravilhoso. Era uma visão dos Deuses.

                   Ficamos horas e horas sem conversar. O barulho era imenso. Cada um de nós meditava as maravilhas que nos são reservadas pelo Mestre. A noite chegou de mansinho, o espetáculo maior ainda estava por vir. Uma bruma em forma de nevoa branca foi tomando conta onde estávamos e penetrando na mata calmamente. Ainda estávamos mudos com o espetáculo. Cada um olhando. Aqui e ali um canto de um gavião e de uma coruja procurando seu ninho. Um Tuiuiú posou próximo a nós. Sabíamos que ele iria cantar para chamar sua femea. Não deu para ouvir. O ribombar da cachoeira não deixava. Tonico acendeu um fogo. Pequeno. As chamas se misturavam com a névoa branca. Raios vermelhos das chamas do fogo ultrapassaram a nevoa. Que coisa linda meu Deus! Seria uma lembrança para sempre. Na névoa se formou um céu colorido como se fossem milhares de arco íris noturnos. Ninguém queria falar. Ninguém falou em dormir. Não sei quanto tempo ali ficamos. Estávamos como encantados por uma feiticeira da selva que perdida no tempo  nos inebriou naquela névoa e nos fez esquecer quem éramos.

                   Acordei de madrugada. Amanhecendo. O rosto molhado com o orvalho que caia da bruma branca. Ela nos fez companhia toda a noite. Cada um foi levantando. Arrumamos nossa tralha. Comemos uns biscoitos para saciar a fome, pois tínhamos mais de cinco horas pela frente. Olhamos pela última vez aquelas quedas que nos levou sem saber a um paraíso perdido daquele rio que chamavam de Formoso. Calados e mochilas as costas nos pomos em marcha. Alguém olhou para trás, a névoa branca se dissipava. Deu para ver centenas de pássaros se molhando nos respingos da cascata imensa. Durante horas ninguém falou. Sempre olhando para trás. Somente o pequeno trovejar ainda se ouvia das quedas que já haviam desaparecido no horizonte. Nunca mais voltei lá. Ninguém de nós voltou. Passaram uma cerca de “arame farpado” em tudo. O homem só o homem resolvia quem entra e quem sai. Já não havia mais a natureza, pois foi substituída pelos desmandos do ser humano. Aquele que mesmo chegando depois dela, diz arrogantemente: “sou o dono da terra, dono da natureza”.

♫ “Põe tuas mágoas bem no fundo do bornal e sorri”!
O que importa é vencer o mal, mantenha sua alegria,
“Não importa você se zangar, pois o mal vai acabar”! ♫

Quanto ao Serrado do Gavião é outra historia. Não deixou tantas saudades como as Névoas brancas do Rio Formoso.   

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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