domingo, 29 de março de 2015

Os melhores anos de nossas vidas.



Lendas Escoteiras.
Os melhores anos de nossas vidas.

                        Não era uma tarde sombria, havia nuvens no céu e o sol já estava se pondo atrás das montanhas onde tantas vezes eu e ele acampamos. É verdade quando diziam que nos cemitérios os pássaros quando pousam nas árvores quase não cantam. Dizem que ao alvorecer eles fazem seus cantares sem alarde quem sabe saudando os mortos que ali habitam. Sentado à moda índia em frente a sua  sepultura eu chorava copiosamente. Olhava com os olhos rasos d’água aquela campa do jazigo número 343. Não havia nomes, só o número. Ninguém fez uma homenagem em seu epitáfio, pois ali só havia uma cruz de madeira apodrecida com o número. Não havia flores, grama nem mesmo uma árvore com copas altas e sombreadas que ele tanto amava. Eram covas rasas próximas uma das outras. Ninguém poderia saber que ele vivia ali em um túmulo simples sem pompa ou sinal de riqueza.

                   A cruz de madeira já havia caído com as chuvas e ventos que sempre acontecem neste lugar sagrado. Ela poderia representar quem estivesse a sete palmos abaixo da placa que não dizia nada. Todo campo santo tem uma maneira própria de interferir entre o que se foi e o que ficou. Se alguém está ali sem perceber está sofrendo angustias aflição e sofrimento. Ninguém gosta de visitar e quando vão é por pouco tempo. Uma maneira de fugir do inevitável da verdade da morte que sobrepõe à vida. Ninguém nunca poderá evitar. Porque não acreditar que um dia iremos morrer? Porque fugimos da morte e acreditamos sorrindo cheio de felicidade ao nascer uma nova vida para o mundo e dizer: - Ele nasceu!

                          Não arredei o pé. Fiquei ali até que a noite chegou. Um silêncio sepulcral. Era uma noite gelada com vento soprando leve e manhoso como a me dizer que era hora de partir. Mas eu não queria partir, tinha muito para me lembrar dos belos tempos que eu e ele vivemos juntos na Patrulha Leão. Momentos inesquecíveis. Joshua era um jovem formidável. Se existe anjos iguais entre jovens eu e ele éramos a prova viva. Eu acreditava piamente que ele seria prefeito de nossa cidade e possivelmente um grande líder do escotismo no Brasil. Ele amava o escotismo. Vivia em função dele, não havia outro assunto que não fosse escoteiro. Só não usava seu uniforme para ir à escola ou ajudar sem pai na Padaria porque o Chefe não deixava e seu pai também não. Afinal ele dizia os fregueses não iriam gostar. Eu era um seguidor ele o mestre. O seguia onde ele fosse. Amava-o de uma maneira tão Escoteira que muitos interpretaram diferente. Francamente, nem sabíamos ainda o que era isto.

                           Era o meu Monitor meu líder meu amigo e irmão. Eu ficava horas e horas na porta da padaria esperando ele sair. Ele com aquele sorriso maravilhoso me olhava e me perguntava: - Aonde vamos? – Eu nada dizia nem ele. Corríamos pela rua até a porteira de São Romão. Uma porteira que enfeitava a rua que acabava, mas não tinha cercas na sua volta. Em plena trilha corríamos atrás de borboletas, pé ante pé até a Pombinha Rola das campinas e a brincar com o Velho Pintibolim o bicho preguiça amigo de toda a cidade. Ah! Meu Deus! Lembrar era demais. Machucava muito e minha garganta seca me fazia mais e mais chorar. Ainda não estava acreditando que ele tinha partido para as estrelas. Não me passava pela mente que aconteceu justamente com ele.

                        Quantos acampamentos? Quantas jornadas? Quantas bandeiras juntos arvoramos nas mais altas montanhas e lindos lugares que acampamos? Toda a patrulha era submissa as suas orientações. Ele um perfeito líder não mandava dizia – Vamos fazer? E arregaçava as mangas e sorrindo ajudava a todos nas construções do campo. Não dava para esquecer seu amor pela natureza. À noite, o fogo crepitando, as fagulhas levadas pelo vento até o céu e ele deitado na grama com as mãos sobre a nuca sempre a sonhar em voar e tocar em cada estrela brilhante no espaço. Sabíamos que sem nosso Monitor não éramos ninguém. Ele ajudava Tunico o cozinheiro, dava uma mão enorme para Josiel o Intendente, escrevinhava junto a Molencar o escriba. Corria com o aguadeiro, buscava lenha com o lenheiro e dizia para mim: - “Vamo que vamo” com um sorriso enorme. Deus do céu! Como é duro lembrar. E nas fogueiras no meio das florestas ele deixava tudo e corria atrás dos pirilampos com suas luzes coloridas ou mesmo a brincar com vagalumes que pousavam suavemente em seu ombro. 

                         O tempo passou. O tempo passa e não pede passagem. Ah! O tempo. Não nos deixa viver a liberdade da infância e nos retira a alegria da puberdade nos jogando no mundo estranho dos homens feitos. Fui para a faculdade em outra cidade e ele na estação sorrindo me abraçou. – Meu amigo, ele disse – Uma distância enorme estará entre nós, mas ela será pequena por nosso afeto, e um laço invisível nos manterá unidos para sempre. Meu pai o olhou de maneira enviesada. Acho que não entendeu que eu e ele éramos um só, mas com um amor de irmãos. Algum tempo depois pensei que isto foi feito pelo meu pai deliberadamente, pois acusavam-nos de sermos mais que amigos. Nunca fiz uma viagem como aquela. Engasgado, queria chorar e não podia. Meu pai me olhando com olhos bondosos, mas como a dizer que estava me fazendo um favor e no futuro eu ia agradecer. Anos depois me formei, comecei a trabalhar, mas nunca esqueci Joshua. Por uns tempos ele me escrevia, mas um dia por uma razão que nunca soube nunca mais escreveu.

                          Não deixei meu escotismo de lado. A tropa que ajudava não era como a nossa do passado, mas me fazia sorrir, me fazia lembrar e procurava entre os jovens ou entre os chefes alguém como Joshua e nunca encontrei. Minha mãe sempre vinha me visitar e um dia com lágrimas nos olhos me contou que ele morreu. – Meu filho ele depois que você se foi se transformou, largou a escola, não queria trabalhar e foi expulso de casa pelos pais, passou a viver na rua, dormindo sob pontes e viadutos. Um dia o encontraram pela manhã morto entre os arbustos da praça da estação. Estava com seu uniforme Escoteiro e seu chapéu. Não deixou nenhum bilhete, ninguém soube como ele morreu, mas estava sorrindo. Meu Deus meu Senhor porque não soube? Eu pensei. Viajei com ela no mesmo dia. Rezei muito por Joshua. Chorei por uma vida por ele. Não culpei ninguém nem mesmo meu pai. Fui ao grupo e poucos se lembravam dele. Da patrulha só eu, os demais a terra os levou para longe para viverem suas vidas.

Prologo

                          Até ontem acampamentos e pé na estrada juntos. Passamos por vilas cidades, cachoeiras e rios, bosques e florestas... Não faltaram os grandes obstáculos que sorrindo enfrentamos. Freqüentes foram às cercas, ajudando-nos a transpor abismos... As subidas e descidas das serras distantes foram realidade sempre presente. Juntos, percorremos retas, nos apoiamos nas curvas, descobrimos campos e vales floridos... Chegou o momento de cada um seguir a viagem sozinho... Que as experiências compartilhadas no percurso até aqui sejam a alavanca para alcançarmos a alegria de chegar ao destino projetado. A nossa saudade e a nossa esperança de um reencontro nunca será esquecida. Teremos novos caminhos a seguir em nossa vida eterna. Eu nunca me esqueci de você e sei que nunca esquecerei. Tivemos bons e maus momentos, mas sempre deixando eternas saudades. Que esta nossa despedida seja um eterno reencontro!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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