terça-feira, 21 de maio de 2019

Crônicas de um Chefe Escoteiro. Escotismo Civismo e cidadania. Um “causo” do acontecido.




Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Escotismo Civismo e cidadania. Um “causo” do acontecido.

              Conheci Marco Aurélio na década de sessenta. Nem sei como fomos nos encontrar ali, em um pequeno arraial, próximo a cidade de Itanhomi. Na época eu tentava a sorte vendendo livros. Os empregos praticamente não existiam e eu não podia viver à custa dos meus pais. Com meus vinte e poucos anos sentia que minha responsabilidade me fazia procurar algum útil e claro, me manter profissionalmente. Era um bar simples, mais para boteco, mas a fome que eu estava nem ligava onde poderia comer. Uma mesa na entrada com dois bancos compridos, coberta de sapé dava uma sombra gostosa e tranquila. Um refrigerante quase sem gelo e dois pães com mortadela era meu almoço e comia como se fosse a melhor refeição do mundo. Disseram-me que ali eu poderia pegar um ônibus para Residência e de lá para minha cidade seria fácil. Ele chegou e sorriu para mim. – Desculpe senhor, posso me assentar aí também? – Claro meu amigo eu disse. Ele riu quando viu o que tinha nas mãos e era igual ao suculento almoço dele. Pães com mortadela e refrigerante.

             E não é que ele era Escoteiro? Ali naquele fim de mundo, comendo um belo lanche de mortadela e logo um Escoteiro chega para jogar conversa fora. Aos poucos ele contou como entrou para o escotismo. – Olhe Vado, sempre morei em Salto Grande, uma cidade de 40 mil habitantes. Eu tenho lá uma pequena fábrica de sapatos herdadas de meu pai que herdou do meu avô. Eu fui educado por eles de uma forma diferente. Na cidade todos me olhavam como se eu não fosse como eles. Claro que não era eu era tudo que meu pai me deu quando jovem, Fazia questão do cavalheirismo, da ética e da cidadania. No entanto levar para todos o que eu pensava era impossível. Andava sempre de cabeça em pé, e nunca me meti em falcatruas ou mesmo arruaças. Naquela cidade eu era tido como um exemplo para todos. Um tarde de agosto, há três anos passados no final de um domingo, dormitava em minha varanda quando percebi na minha porta uma senhora e quatro Escoteiros. Gostei da maneira com que se apresentaram e como me dirigiram a palavra respeitosamente.

            Se existe uma coisa que sempre fiz questão foi à educação dos jovens com os adultos. E eles se dirigiram a mim dizendo senhor, olhando-me nos olhos, e isto me cativou. Dona Matilde contou-me uma história que me emocionou. A Tropa 222, do Grupo Escoteiro Santo Ângelo estava em vias de desaparecer. O Grupo Escoteiro fundando há oito anos no inicio estava indo muito bem. Com uma Alcateia e a tropa estavam partindo para organizar a tropa sênior em breve. Pedi a ela para me explicar o que era tropa, Alcateia e Grupo Escoteiro. Foi uma aula gratuita de escotismo que ela me deu. Sentados ali na varanda Dona Norma uma espécie de tia que me ajudava nos afazeres da casa nos serviu um café com biscoitos e precisava ver a educação dos quatro jovens a se servirem. Ela foi direto ao ponto quando explicou que o antigo Chefe Fasano, tinha falecido há quatro meses em virtude de um câncer no cérebro. Isto destruiu metade do grupo em um mês. Ninguém aceitava aquele destino, pois amavam o Chefe como se fosse um pai.

            - Senhor Marco Aurélio, viemos aqui contando que vai aceitar nosso convite para ser o Chefe da tropa. Falei com os meninos sobre o senhor e a maioria já o conhece. Para eles teria que ser alguém com moral e ética e o senhor preenche bem seus desejos. Olhei os quatros jovens. Dois meninos e duas meninas. Olhavam-me como se eu fosse o seu líder, aquele que podiam contar. Quer saber? Não pedi um tempo. Aceite de pronto e os sorrisos valeram minha resposta. Sempre me bati com a questão de cidadania, da ética e da honra e nada melhor que um movimento de jovens que acreditam nisto para que eu pudesse colaborar com eles. No primeiro dia conversei com todos, ainda não sabia que o Sistema de Patrulhas me dava à liberdade de ter meninos que sabiam dirigir e ser dirigidos por outros meninos. O tempo me ensinou muitas coisas e vi que o escotismo era um manancial para que os jovens tivessem uma formação adequada para um país que precisavam de homens e mulheres com ética e caráter em quem se pudesse confiar.

             Quando li os livros Escoteiros do fundador e outros sabia que tinha dado um passo certo. Senti que os mais antigos me consideram um seguidor deles, e pouco se abriam para que eu pudesse sugerir e mostrar como funciona uma democracia. Não eram todos, mas aos poucos fui batalhando e com o passar dos anos aceito da forma como era. A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida de do governo de seu povo. No escotismo a cidadania não era vista assim. Acreditava e acredito que precisamos ensinar também aos adultos o que ensinamos aos jovens através das patrulhas e dos monitores esta tão falada democracia. Ainda tem alguns que pensam que a democracia seria aquela que o faz dono da verdade e das ações. Eu sei que a participação numa sociedade ideal não é fácil de ser implantada. Como a liberdade consciente e imperfeita numa democracia como a nossa, poderiam todos pensar que seria uma utopia mudar esta visão.

             Aos poucos fui fazendo cursos e vi até que alguns dirigentes que ali se prestavam a colaborar não estavam devidamente preparados para sua função de educador. Para dizer a verdade fiquei em duvida se eu tinha amigos Escoteiros ou lideres que só mandavam e nada mais. Não desisti e fiz outros afinal não é em um dia ou dois que teremos adquiridos todo o conhecimento que precisávamos. No livro do fundador dizia ele que aprender com os jovens é como se cursar uma faculdade escoteira. Eu sabia que quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões e isto poderia colocar a todos numa posição de inferioridade dentro do grupo social. Por isto aceitei o desafio. Fiquei quatro anos ininterruptos. Mas o pior aconteceu. Eleita uma nova diretoria sem eu perceber começou a luta de egos, cada um querendo mostrar sua liderança seu poder e eu novato não entendia bem onde eles queriam chegar.

                 Não deu outra. A disputa de egos foi tanta que um deles pediu a intervenção regional do grupo. Desisti. Isto mesmo fui embora para minha casa. Os meninos choraram e tentaram me demover, mas enquanto estivessem no grupo pessoas atrás do poder em sabia que não tinha condições de ajudar em nada. O grupo não durou três anos. Fechou as portas. – Perguntei a ele e você? O que fez? – Chefe, o caminho estava livre. Voltei, reabri o grupo, convidei pais sem sonhos de poder e hoje estamos fazendo um belo escotismo. – É eu pensava com meus botões. A verdade sempre aparece. Uma buzina e vi a velha jardineira chegando. Um abraço, um aperto de mão e um desejo de nos vermos novamente. Quem sabe? E lá fui eu rumo a Residência onde se tivesse sorte pegaria um ônibus no mesmo dia para casa.

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