Lendas contadas
ao redor do fogo.
“Dança com
Lobos”.
Prólogo: - “O Lobo
segue seu amigo escoteiro, pois nele confia e acredita na sua bondade. Ele não
sabe onde o jovem Chefe Escoteiro está indo, segue-o por seguir sem rumo
determinado, somente acreditando que uma grande amizade acabou de nascer”...
- Foi há muito tempo...
Tempo demais que ficou preso em um passado que já se foi. Ele sabia de suas
escolhas, gostava de acampar a escoteira... Aquele que anda só... Sabia aonde
chegar até que um dia se perdeu no Desfiladeiro da Águia Real da cabeça
branca... Viu uma floresta imensa e pensou que ainda era uma floresta virgem. Era
uma floresta diferente de tudo que ele havia visto. Árvores de todo tamanho
misturadas com orquídeas, cipós, samambaias, arbustos e ervas. O Chão sempre
molhado, raízes e mudas disputando o espaço. Viu exames de insetos, barulhos de
pássaros e sapos. Sentiu o cheiro forte dos répteis e mamíferos que apareciam a
cada passo ao andar pela selva. Assustadora, escura, pois apenas uns poucos
raios de luz conseguiam furar a cobertura cerrada das folhas galhos e flores...
O Jovem Chefe Escoteiro
não tinha medo nem receio de onde pisava. Não fora a primeira vez e nem seria a
última. Com seu facão Limoeiro abria picadas com uma audácia impetuosa na sua
intrepidez de aprendiz de mateiro a fazer descobertas incontidas no seu ideal
de aventureiro à procura de descobertas que nunca viu e que iria sorrir ao
encontrar. Peso leve, mochila costeira um facão na algibeira e um bornal com pães
e sal para um assado sem pressa e sem hora de chegar. Na argola direita do cinto
escoteiro, um cantil ao lado de uma faca mundial, protegida em uma capa de
couro robusta de um touro Marruá, quem sabe do Curtume da Beira do Rio Amarelo.
- Saltou uma pequena corredeira
de águas cristalinas e viu um sopé de uma montanha não tão alta, mas
esplendidamente soberba para acampar. Ajeitou o Chapéu de três bicos, abas
retas indicando o caminho a seguir. Deu um toque na mochila e ajeitou o bornal
iniciando a venturosa subida... E eis que de repente, surgiu na sua frente um
enorme Lobo Cinzento, parado, olhar fixo sem piscar, pensando preocupado quem
se arriscou a entrar em seu habitat. O Jovem Chefe Escoteiro sabia o que ele
estava a olhar. Era um enorme Lobo Cinzento, daqueles prontos a caçar dia e
noite, com olfato apurado e visão perfeita. Seus olhos que ao nascer eram azuis
agora ficaram vermelhos, assustando assim algum estranho que se metia a caçador
do lugar.
- O Jovem Chefe
Escoteiro sentou em uma pequena saliência do terreno e ficou sereno,
impassível, olho no olho, pois sabia e conhecia o terreno onde nunca montou
barraca, mas como bom mateiro era conhecedor das artimanhas do lugar. Devagar,
calmamente, passo a passo tirou do bornal um gomo de linguiça, colocou a dez
pés de onde estava... Não tirava os olhos do Lobo, um futuro amigo e seria ali
queira ou não seu protetor. Amigo de todos era também dos animais... O lobo com
seu entrejeito matreiro, passo a passo se aproximou. O Jovem Chefe Escoteiro
sorriu e cativou seu novo amigo que de um salto devorou seu novo alimento e num
sinal de desafio, sentou nas patas traseiras e esperou... Mais um naco!
- Sorriu... Não tinha
mais, levou a mão esquerda na orelha do animal. O Lobo Cinzento das montanhas
do Brasil não se assustou. Deixou-se afagar e o Jovem Chefe Escoteiro seguiu o
seu caminho, passo a passo na pequena trilha da subida e... O lobo Cinzento o
seguiu não demonstrando temor receio confiando no jovem de uniforme que nunca
viu e quem sabe nunca mais iria ver. Aquartelado ao sopé da montanha, fez um
cozido de um esquilo, dividindo com seu novo amigo o Lobo Cinzento da Montanha
da Águia Real. Ficou ali por dois dias... Dias de encantamento, de amizades...
Conheceu a Águia Real da cabeça branca, poderosa, imponente quando em voo
majestoso pelo céu cor de anil. Sabia de sua força e independência e a amizade
quem sabe foi alcançada pelo seu sorriso pelo coração amigo e tantos mais.
Lembrou-se dos dois bem-te-vis
que esvoaçaram ao seu redor... Não tinha nada pra lhes oferecer. Sorriu a noite
a beira da fogueira com a visita de Lagarto das Cavernas onde habitam os
morcegos gigantes não tão grande e nem pequeno, que o saudou com a língua para
fora e ele sabia que estavam atentando cheirar e reconhecer seu novo morador
das terras distantes. Foram dois dias lindos. Seu maior amigo o Lobo Cinzento
da montanha o acompanhava onde quer que fosse. Chegou a hora de partir... Olhou
para seus amigos e quase chorando recitou: - “Ah, se já não perdi a noção da
hora, se vocês amigos já jogamos tudo fora, me contem agora com hei de
partir... Se fiz amizades, se juntos esquecemos os desvarios, se rompi com o
mundo, queimei o passado, me digam prá onde é que eu ainda posso ir”!
- Despedir de cada um
demorou horas, chorou cabaças de saudades e partiu... Com o Lobo Cinzento atrás
e com lágrimas nos olhos pensando que nunca mais o deixaria partir. Como em sonhos
selvagens lembrou-se de Duas Meias o Lobo da planície, que simbolizava o mundo
selvagem sendo aos poucos assimilado por um tenente, que ali era representado
por um simples Jovem Chefe Escoteiro que nem era morador do lugar. Ele sabia
que não estava sozinho. Que as sombras dos amigos que fez iriam segui-lo por
toda a vida. Ele sentia no íntimo do seu coração, através de olhares ansiosos,
o gaguejar do amigo Real, uma águia que não sabia falar e um Lagarto sem nome
que ficaria através dos tempos naquela região onde o homem ainda não tinha
pisado, num território hostil e ele sabia que ao partir iria sentir para sempre
enormes saudades! Chorou quando adentrou nas matas e o seu amigo Lobo Cinzento
sumiu!
“A
terra é algum tanto melancólica, regada de muitas águas, assim de rios caudais,
como do céu, e chove muito nela, principalmente no inverno; é cheia de grandes
arvoredos que todo o ano são verdes; é terra montuosa, principalmente nas
fraldas do mar, e de Pernambuco até a Capitania do Espírito Santo se acha pouca
pedra, mas dali até Serra das Vertentes são serras altíssimas, muito fragosas,
de grandes penedias e rochedos”. (Fernão Cardim).
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