terça-feira, 13 de novembro de 2018

Conversa ao pé do fogo. Onde anda o Zé Neguinho? (Baseada em fatos reais).



Conversa ao pé do fogo.
Onde anda o Zé Neguinho?
(Baseada em fatos reais).

Prefácio: As lembranças permanecem para quem viveu e não esqueceu. Como diz uma poetiza: - Certos momentos,  nem o tempo apaga. Fica arquivado para sempre na memória do coração.

                  Ah o tempo! A gente não percebe e quando percebe ele deu uma volta ou milhões de voltas para nos trazer as lembranças de um tempo que já se foi. Zé Neguinho nunca foi Escoteiro. Deveria ter sido, mas seu destino estava escrito de outra maneira. Queira ou não fomos amigos. Amigos que se respeitavam. Brigamos muito quando jovens, de tapa, de soco, mas de arma branca nunca. Eu e ele sabíamos que nenhum de nós dois era melhor que o outro.

                Acho que a primeira vez que nos enfrentamos eu estava com oito anos e ele por aí também. As brigas foram frequentes pelo menos uma a cada dois meses. Nunca envolvi meus amigos Escoteiros em nossas brigas. Mas hoje fico pensando: - Porque brigamos tanto? Não havia ódio, rancores, quantas vezes cansávamos e sentados olhando um para o outro dávamos belas gargalhadas?

                O tempo passou. Acho que uns quinze anos. Eu não lembrava mais dele e tenho certeza que ele também não se lembrava de mim. Comissário Regional em Minas gerais, lá pelos idos de 1971, eu viajava em um trem da estrada de ferro Leopoldina Railway de Caratinga para Ponte Nova. De lá pegaria outro para Barra longa a convite de um Grupo Escoteiro que estava começando. Era comum essas viagens e eu as apreciava bastante, fazendo amigos e dando uma nova concepção do escotismo no estado.

                Eu cochilava quando o trem parou em uma pequena estação. Olhei pela janela e vi lá fora dezenas de soldados armados correndo para todo lado. Ouvi um grito alto: - Zé Neguinho! Quem fala é o Capitão Nonato.  Você me conhece e me deve sua vida.  Sei que está aí neste vagão. Desça com as mãos para cima. O trem está cercado de policiais! Olhei de lado. Era ele. Cresceu, ficou forte, muito forte, o cabelo grande sempre amarrado em um rabo de cavalo. Ele me viu. Deu uma gargalhada – Vado Escoteiro? O Valente da porrada? É você? Era chamado por ele assim. Levantei e dei nele um abraço.

                      O Delegado gritou há plenos pulmões: – Vamos evitar passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele gritou – Me dá dez minutos delegado e vou descer sem reagir, eu prometo. Sentado ao meu lado um senhor de idade. – Suma! Ele disse e sentou comigo. Ficamos estes dez minutos lembrando o passado. Nunca na vida contei “causos” do passado sob a mira de fuzis. - Lembra-se da descida do Bairro do Pastoril? Eu lembrava. Uma turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um pau na mão. Desceu a burduna na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu posso dar porrada nele!

                      Ele sorria olhando para frente. Nunca me olhou nos olhos. – Tem visto a Constância? Lembrei-me dela, uma senhora raquítica que pedia esmola na Praça da Estação. Sempre achei que ela parecia fazer parte do lugar e era conhecida por todos os charreteiros que esperam seus clientes na chegada ou saída do Trem para BH ou para Vitória. Conversamos por uns dez minutos. Contei um pouco de mim, meu casamento, meu escotismo e confesso que me esqueci do que estava acontecendo no momento.

                      Ele se levantou e me deu um abraço, apertado. Chegou a doer. Vi que seus olhos encheram-se de lágrimas.

                    – O Delegado gritou de novo: - Não vou esperar mais, saia ou vamos invadir o vagão! Zé Neguinho sorriu e disse adeus meu amigo. Acho que nunca mais vamos nos ver! Desceu do trem e vi dezenas de policiais apontando armas para ele. Na plataforma me acenou pela última vez!

                     Não fiquei sabendo dos seus crimes ou roubos. Não havia jornal na minha cidade para informar. Mas Zé Neguinho me marcou muito. Não foi escoteiro. Deveria ter sido. Nunca o esqueci. De vez em quando procuro aqui na internet se vejo alguma noticia dele. Deve ter morrido. Às vezes penso se tivesse descido e conversado com o Delegado poderia ter ajudado. Acho que não.

                     Olhei pela janela do trem e o vi cercado por policiais sendo algemado. O destino não se mede pelas ações, mas sim pelo que se fez ou faz. Espero que ele tenha conhecido a felicidade. Seu sorriso sempre foi contagiante e dizem que quem sabe dar um lindo sorriso é feliz.

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