quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Histórias de fogo de conselho. A morte da Rolinha. (Baseada em fatos reais).




Histórias de fogo de conselho.
A morte da Rolinha.
(Baseada em fatos reais).

Eu saí pra acampar antes do dia rompê... Arrumei a carretinha bem antes do sol nascê... Os galo da madrugada cantava pra amanhecê... Fui matar minha saudade na Fazenda Tietê!

                      Sempre foi assim, feriado, mesmo que chovesse molhado, a Patrulha Lobo ia acampar. Faça sol ou tenha lua, nada segurava a Patrulha a fazer o que mais gostava... Um belo e gostoso acampamento. Três dias, dava para montar um campo, fazer uma bela Pioneiría no córrego dos Afonsos, e bater gostosos papos em uma conversa ao pé do fogo. Não éramos assim tão poetas, mas mateiros dos bons podiam nos chamar.

                      Em um fogo de conselho, mesmo com sete escoteiros nos divertíamos a valer. Ficar na beira do fogo sem ir para a barraca era programa que alguns chamavam de índio. Mas quem não gosta de uma noite em volta do fogo, com a aragem caindo distraída, a grama molhada... A gente não esquece nunca mais... - “Na minha madrugada, eu a vi fria sombria... Enquanto encontrei beleza, e a transformei em poesia”!

                      Romildo perguntou o programa, Rael disse que qualquer um, Tãozinho o caolho, riu e nada disse. Darcy Pé de Pato disse que ria pescar uma bela traíra e fritar em uma frigideira nas brasas da fogueira. Zeca o Cozinheiro Fumanchu não gostou. – A cozinha é minha e de mais ninguém! Prometeu fazer um cozido de aipim de dar água na boca. Miltinho vulgo Zé do Boi, também ficou calado. Olhei para ele e disse: Vamos montar armadilhas e pegar uns bons pássaros ou bichos para assar!

                     Olho o passado e me vejo lá de chapelão, calça curta, lenço bem posto no pescoço, vivendo naquela Patrulha Lobo que nunca esqueci. Vontade de voltar no tempo, uma falta de ar, um sonho impossível de encontrar. Rodei estradas, trilhas cidades subidas sem fim. Contei estrelas, amei o firmamento e nunca encontrei a Fonte da Juventude tão procurada por Ponce de Leon. Quando me lembro de tudo da vontade de cantar Cecília Meireles: -

                  - “Com que doçura esta brisa penteia a verde seda fina do arrozal. Nem cílios, nem pluma, nem lume de lânguida lua, nem o suspiro do cristal. Com que doçura a transparente aurora... Tece na fina seda do arrozal aéreos desenhos de orvalho! Nem lágrima, nem pérola, nem íris de cristal... Com que doçura as borboletas brancas prendem os fios verdes do arrozal com seus leves laços! Nem dedos, nem pétalas, nem frio aroma de anis em cristal. Com que doçura o pássaro imprevisto de longe tomba no verde arrozal! Caído céu, flor azul, estrela última: súbito sussurro e eco de cristal”...

                    Rodas gemendo na subida, cantando nas retas e descidas, não dá para esquecer a carretinha que tanto amávamos. Afinal a construímos com ajuda do Marceneiro Joviel. Oito quilômetros de nada. O Córrego dos Afonsos era nosso velho conhecido. Bom de peixe, de águas calmas, de boa aguada e quedas que a gente fazia o “diabo” para levar ao cozinheiro água fresca no casco de um bambu qualquer. Cada um sabia o que fazer. Logo um cafezinho fresco, e cada um foi providenciar o almoço do dia.

                   Isso mesmo. A “coisa” não andava bem nas famílias dos patrulheiros. O dinheiro curto, a intendência resumida, só deu para levar algum arroz, um sal e um “poquito” de gordura de porco da nossa ração “B”. Tudo bem. A região dos Afonsos era prodiga em aipim, alface do mato, couve flor, Taioba na beira do lago, e doces goiabas sertanejas não faltando ás bananas da terra... Ah! Adoro. Fritas então? Fumanchu adorava. Fazia uma sopa de dar água na boca! Chico Lopes dos Afonsos era nosso amigo. Não faltava uma galinhada, ovos e o escambal.

                  Lá fui eu e Miltinho preparar as armadilhas. Três delas. A do laço, a do traçado de bambu e a da cova do tatu. Em duas horas sabíamos que uma delas estaria cheia de quitutes que o Fumanchu iria preparar. Eis que na do Bambu encontramos duas rolinhas, machucadas de tanto tentar sair para seu habitat. Tive dó, olhei para Miltinho. Vamos levar? Ele calado não disse nada. Pus as duas no bornal. Ainda tentavam escapar pulando dentro da lona que as prendia como um cativeiro cruel.

                 Campo próximo. Não mais que dois quilômetros. Na trilha olhei para Miltinho. Pensava: - Não foi à primeira rolinha que matei, porque essas duas me tocam o coração? Alguém cutucou minhas costas. Parei, era Miltinho. Falou assim: - Solte-as... Olhei para ele. Ele não disse mais nada. Uma dor no coração, uma dó tremenda pela vida das rolinhas. Perdi a fome. Abrir o bornal e elas saíram voando pelo espaço! Agora livres como o vento...

                  Foi minha ultima “matada”. Esqueci os tatus, as Galinhas D’angola reclamando: “Tô fraco, tô fraco”, os quatis, os coelhos e as lebres que um dia assei nas brasas de um fogo qualquer em um lugar qualquer, sem pouso e nem ouso dizer se gostei... De mãos abanando cheguei ao campo. Romildo não disse nada. Olhou-me nos olhos e desconfiou. Belo Monitor ele era. Fumanchu gritou: Escoteirada, em trinta minutos mandiocas fritas para tapar a fome!

- “As aves não mais voam... Os peixes não mais nadam... Os pássaros não mais cantam... As pessoas não mais se amam... Tudo isso por culpa do homem e a sua maldade... Tudo por culpa do homem e a sua falta de caridade”!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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