quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Contos de fogo Conselho. O enigma do Velório do Chefe Bento.



Contos de fogo Conselho.
O enigma do Velório do Chefe Bento.

Prefácio: - “Conta-se uma lenda Celta que existe outro Mundo essencialmente espiritual onde moram os mortos (nossos ancestrais)”. Conta-se que “ali vivem como deuses de puro espírito. É um mundo perfeito e belo, onde não há dor, ou tristeza. É uma terra paradisíaca, onde há fartura de comida e bebida. A lenda conta que não é um mundo exclusivo. Os vivos podem visitar os mortos e para que isto aconteça alguém tem de sacrificar sua vida para renascer de novo onde escolheu morar”.

                     Eu conheci Aurora quando morei próximo à cidade de Buritis nas Barrancas do Rio São Francisco. Os amigos me disseram que ela tinha mais de cem anos. Vez ou outra eu a procurava na sua tapera, para um cafezinho no ponto e ouvir suas histórias de menina que me fascinavam. Os contos dela me faziam recordar do meu Escotismo que sempre amei. Ela jurou uma vez que foi escoteira em Cruz das Almas por muitos anos. Acreditei!

                     A historia do Chefe Bento Gonçalves ela me contou quando pescava nas margens do Velho Chico, aproveitando as chuvas torrenciais e as aguas barrentas. Disse-me que bastava uma Corvina para o jantar. Era a melhor época para pescar mandis, bagres e Corvinas. Quando cheguei colocou a varinha de bambu em um suporte, tirou debaixo do banco uma garrafa de café e me convidou para tomar. Como sempre delicioso, um café do Jacu que ela plantava, colhia e torrava. Inigualável!

                     - “Sinhô Osvardo”, nossa tropa Escoteira começou com vinte e seis e nunca passou de vinte e oito. Ninguém entrava ninguém saia. Chefe Bento fazia milagres. Raquítico, mancava da perna direita e mesmo assim era o primeiro a gritar “avante” nas longas jornadas que fazíamos. Vibrava nos acampamentos e a gente o amava não só pelo grande Chefe que era, mas pelas histórias que contava ao pé do fogo em um acampamento qualquer.

                       Nos jogos, nas inspeções, nas técnicas mateiras que ensinava aos monitores o fazia de uma maneira única que a gente nunca mais esquecia. Eu era a Monitora da Patrulha Uirapuru a única menina que chegou lá. Os outros monitores quando fui eleita diziam que nossa Patrulha estava no “papo”, mas não foi isso que aconteceu. Não vou entrar em detalhes, só vou contar um acampamento feito nas margens do Rio Bacuri.

                     - No ultimo dia quase terminando o Fogo de Conselho ele nos contou uma lenda que seus ancestrais faziam para fazer ressuscitar seus mortos. Só para os mais especiais. Foi tétrico, sinistro, nos assustamos demais. – Na noite escura com a fogueira quase apagando só dava para ver as brasas e pequenas fagulhas levadas pelo vento. – Escoteiros! Ele falava baixinho... Leve o corpo do defunto até o primeiro poço, jogue-o de cabeça para baixo, espere dois dias e o procure entre as pedras do riacho mais próximo.

                      Ninguém achou graça no que ele contou. “Seu Osvardo” uma semana depois eu estava na sala de aula e a professora chorando disse que o Chefe Bento tinha acabado de morrer. Retirava seu pequeno salário no Banco da cidade e sofreu um AVC fulminante. Levado ao hospital chegou morto. Deus do céu! Foi para mim o fim do mundo! Ele era o pai que nunca tive o marido que nunca iria ter e o avô que nunca conheci. Sai cambaleante da escola e fui até o Pé de Jequitibá Rosa, onde a Patrulha deveria estar reunida. Todos estavam lá aos prantos sem saber o que fazer.

                     Foi Dudu Intendente chorando quem disse: - Vamos ressuscitá-lo! – Assustamos... Como? - Ele relembrou a historia do Chefe Bento no último fogo de Conselho. Fizemos um plano. Não foi fácil, éramos sete e precisávamos de outra Patrulha para ajudar. A Patrulha Garça Prateada se prontificou. Pegamos “emprestado” de nossas casas três lençóis de casal para forrar a maca. Ele estava sendo pranteado no Velório do Oscar. A melhor hora para pegar seu corpo seria entre três e quatro da madrugada. Todos estariam dormindo. Não foi difícil, difícil foi segurar seu corpo já frio e o medo apossou de todos nós.

                   Até o poço do Cemitério das Almas eram mais de dois quilômetros. Mundico apareceu com a carretinha. Os pés do Chefe Bento ficaram para fora. Quatro da madrugada. Dez meninos e quatro meninas de uniforme escoteiro empurravam a carretinha em silêncio pelas ruas da cidade. O poço ficava próximo ao Mausoléu do Comandante Palácios morto na revolução. Segurar os pés do Chefe Bento na boca do Poço foi demais. Francisca rezou um Pai Nosso e os demais o soltaram. Uma eternidade se passou até ouvirmos o barulho da água do poço recebendo o corpo do Chefe Bento.

                   Voltamos correndo para casa. Sábado sem escola corri até o Riacho Grande e lá estava a nossa Patrulha e a Garça Prateada. Todos calados. No silencio um redemoinho se formou, o vento engrossou. No céu nuvens negras apareceram. Tremendo descemos o riacho a procura do Chefe Bento. Ele sentado na Pedra do Moinho sorria. – Meninos! Estou indo para o céu. Virei sempre ver vocês! E sumiu nas nuvens antes da chuvarada que caiu.

                   - Ficamos chorando e chamando por ele. - Chefe, Chefe, não se vá! Ele se voltou e disse: - Meus caros amigos escoteiros. Chegou a hora de ouvir as palavras de Caio Vianna Martins. Agora terão de andar com suas próprias pernas. Isto não será fácil, mas com a união de todos irão continuar a sina dos escoteiros. Avante, não desistam. Sigam os caminhos da verdade e estarão comigo sempre. Sumiu nas nuvens e nunca mais voltou.

                     Aurora se calou. Sua varinha entortou. Um peixe foi fisgado, ela me olhou e sorriu: - “Seu Osvardo”, fique para o jantar. Aceita ser meu convidado?

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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