Um conto de
Natal.
Do mundo nada
se leva.
Cabecinha boa
de menino triste,
De menino
triste que sofre sozinho,
Que sozinho
sofre, e resiste...
Valentine seguia pela rua deserta. Era
dia ainda e ela não tinha medo, pois conhecia a todos no bairro onde morava.
Tentou a casa de Marly e ela não estava. Era sua sub-monitora. Sentia um vazio
tremendo. Não gostava de férias. O grupo Escoteiro interrompia suas atividades
e ela ficava sem saber o que fazer. Os chefes precisavam mudar de rumo, passear
com suas famílias e ter uma folga merecida. Valentine só pensava em escotismo.
Sempre foi boa filha e boa estudante, mas quanto tempo tinha que entrou e amou?
Acreditava ser mais de nove anos. Lobinha, escoteira e agora guia. Porque não
dar liberdade às patrulhas para fazerem atividades sem os chefes? Valentine
caminhava devagar. Era véspera de natal e sua mãe em viagem pela firma
prometera chegar no dia vinte e quatro sem falta. Sua avó materna era quem
tomava conta. Valentine se acostumara e sabia que sua Avó tomava conta dela
como se fosse sua mãe. Valentine ouviu um choro de uma criança recém-nascida.
De onde vinha? Viu do outro lado da rua uma pequena cesta e correu atravessando
a rua sem olhar. O que viu quase perdeu a respiração. Um lindo bebê de olhos azuis
a sorrir para ela.
Cabecinha boa
de menino ausente,
Que de sofrer
tanto se fez pensativo,
E não sabe
mais o que sente...
Pegou a cestinha e sorria de alegria.
Mas o que fazer? Ir à delegacia? Ela estava tão sozinha em sua casa, e muitas
das amigas viajando que pensou: Sempre sonhou em ter um bebê porque não este?
Valentine tomou uma decisão não condizente com uma Guia Escoteira. Sem pensar
levou a criança para sua casa. Tinha que escondê-la da sua Avó e de algumas
visitas que costumavam aparecer. Entrou e foi direito para seu quarto. Uma
parte da cama ela colocou o bebezinho. Correu a cozinha e fez uma mamadeira.
Ela sabia como fazer. Tirou a especialidade de Babá. Ninguém notou nem mesmo
quando de madrugada José chorou. Ela o chamava de José quem sabe para
homenagear o esposo da virgem Maria. Assim como Jesus nasceu em uma manjedoura
por um milagre, ela começou a acreditar que aquela criança seria seu milagre.
Dois dias seguidos e ninguém desconfiou. Sua Avó era bem velhinha e meio surda.
Isto ajudou muito nos planos de Valentine. Marly chegou de supetão ao seu
quarto. Eram amigas e ela tinha plena liberdade de entrar e sair quando
quisesse. Marly se assustou com a criança. Valentine explicou. – Impossível
Valentine. Você sabe disto. Uma mentira não dura para sempre e você é uma
escoteira tem honra e ética. Valentine chorava. Não queria perder o bebê. Mas
qual a saída?
Cabecinha boa
de menino mudo,
Que não teve
nada, que não pediu nada,
Pelo medo de
perder tudo.
Pediu a sua amiga Marly que não contasse
nada para ninguém. Que ela esperasse até o natal e ela iria levá-lo a
delegacia. Seriam apenas mais três dias. Marly mais nova que ela tinha a cabeça
no lugar. Sabia que era errado o que ela queria fazer e seria errado ela
esconder também. Mas adorava sua amiga viu em seus olhos pequenos lágrimas que
desciam e ela teve pena. Virou cumplice. Será que a Chefe Noêmia iria entender?
Ela falava tanto da Lei Escoteira! Agora elas eram duas a cuidar do menino
José. Sem perceber Marly começou a amar aquela criança. As noites ela dormia
pensando como fazer para as duas ficarem com ela para sempre. Sabia que em sua
casa era impossível. Nonô seu irmão mais novo “fuçava” em tudo. Ele logo iria
descobrir. Onde então? Não vislumbrou nenhum local para criar a criança. Adotar?
Mas elas eram tão novas! Valentine com desesseis e ela com quinze. Contar para
o Padre Zózimo? Ele nunca iria entender. Também nenhum Chefe do grupo iria
compreender. Constance, Joelma, Mary e Nair da patrulha não poderiam saber.
Correriam para contar as suas mães e o segredo iria para o brejo.
Cabecinha boa
de menino santo,
Que do alto
se inclina sobre a água do mundo
Para mirar
seu desencanto.
Era o dia de Natal. Dia que elas se
comprometeram ser o ultimo a viver com o menino José. Sabiam que no dia
seguinte seria um martírio devolvê-lo a delegacia. Valentine sabia que ele
seria levado ao Juizado e eles o encaminhariam para uma Vara da Infância e
Juventude. Alguém um dia iria adotá-lo. Não poderia ser elas? Mas com esta
idade? Sua mãe nunca iria concordar em entrar com um pedido de adoção.
Valentine passou a pior véspera do natal de sua vida. Chorou o dia inteiro.
Corria a dar tudo para o Bebê José. Teve hora que riu de si mesma pelos
cuidados e ria mais ainda quando Marly chegava e queria disputar com ela os
cuidados com o menino José. Valentine deixou o menino com Marly e foi comprar
leite na padaria. Onde tinha encontrado a cestinha com o bebê ela viu uma
mocinha sentada na calçada e chorando. Perguntou por que chorava e ela
respondeu – Deixei meu filho recém-nascido aqui. O abandonei em uma hora de
desespero. Agora me arrependi. Não sei quem o levou e onde ele foi parar.
Valentine pegou sua mão, pare de chorar moça, seu filho está comigo. Venha,
vamos a minha casa e você poderá ver que o tratamos como se fosse um filho
nosso.
Para ver
passar numa onda lenta e fria,
A estrela
perdida da felicidade
Que soube que
não possuiria.
Não há mais para contar. Mirtes a mãe
de José foi com ela a sua casa e passou um natal com todos eles como nunca
passou em sua vida. Era de família rica e sabia que eles não iriam entender a
gravidez. Mas ela resolveu enfrentar a tudo e a todos. A mãe de Valentine
chegou e a festa foi mais linda ainda. No dia seguinte Mirtes levou José para
sempre. Deixou o endereço para um dia se quiserem visitá-lo. Era em uma cidade não
muito longe. Insistiu para que elas fossem madrinhas. Valentine e Marly não
paravam de chorar. Madrinhas? Seria uma honra! Quando o ônibus partiu Valentine
e Marly abraçaram-se chorando. Elas sabiam que foi encontrada a melhor solução.
Fizeram questão de contar para todos o que fizeram. Não houve recriminação, mas
sua mãe a orientou que não deviam ter feito o que fizeram. Do mundo nada se
leva e devemos perceber que os verdadeiros valores da vida devem ser feitos
dentro da lei e da ordem. Isto antes que seja tarde demais...
Os versos são de
autoria de Cecília Meireles.
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