domingo, 25 de fevereiro de 2018

Histórias de fogo de conselho. Um Monitor chamado Poncharelo.



Histórias de fogo de conselho.
Um Monitor chamado Poncharelo.

                   As águas do Lago da Prata nesta noite tinham uma visão diferente. Lua cheia, resplandecente, refletida criava um colorido especial. Não foi a primeira vez. Quantas? Muitas. Era nestes acampamentos que eu e os monitores tínhamos o momento só nosso. – Damásio com uma vareta arrumava as achas que ainda não haviam queimado. Uma fogueira tem seu momento de glória. Quando é acesa e quando as chamas se espalham iluminando o rosto dos presentes. Se no céu as estrelas insistiam em brilhar, as águas do Lago da Prata defendiam seu esplendor.

                   Venâncio não estava presente. Pediu para dormir mais cedo. Trabalhou demais na construção da Ponte do Sítio do Zé do Monte. Cansado eu esperava a hora de recolher. Enquanto os monitores estivessem ali em volta do fogo eu estaria com eles. Lamonte olhava a fogueira parecendo hipnotizado. Poncharelo com seus olhos húmidos olhou para mim. Estavam vermelhos. Parecia que iria chorar. Quase não sorria isto era fato, mas chorar não. – Posso ajudar? Perguntei. – Com os lábios fingiu sorrir. Não disse nada. Também nada disse. Se precisasse me diria.  

                  Venâncio me olhou e disse que ia dormir. Ficamos eu Lamonte e Poncharelo. – Chefe! Preciso de ajuda! – Olhei para Poncharelo. – Ele chorando me disse que não aguentava mais... – Fiquei calado. Esperava que ele dissesse o motivo. – Meu pai Chefe! Recebemos a carta! – Carta? Que carta Monitor? – Do exército. Entregaram com uma medalha dizendo que ele foi um Herói! – Lembrei que seu pai era Sargento do Exercito e foi para a Itália lutar na guerra. Sentei perto dele. Coloquei a mão em seu ombro. – O que posso fazer Poncharelo?

                  Ele entrou no ano anterior. Sua mãe me apresentou. – Quem sabe aqui poderá esquecer... Não me disse mais nada. Poncharelo não sorria. Era diferente dos demais. – Chefe, eu nunca contei. Meu pai é meu herói. Brincava, acampava e fizemos pescarias que nunca vou esquecer. Sargento da 1ª Brigada foi um dos primeiros a partir. Ele escrevia sempre Chefe, Mamãe lia suas cartas, baixinho devagar... “Eu voltarei em breve” ele dizia. Que está guerra está prestes a acabar!

                   Pensei no que estávamos passando. Todos nos assustamos quando o Brasil entrou na guerra mais sangrenta da historia. O Governo Brasileiro mesmo sabendo da falta de estrutura do Exército, com equipamentos ultrapassados, treinamento deficiente e roupas inadequadas para os 20º Graus negativos do inverno Europeu enviou um contingente para a guerra. Seu pai Júlio Miranda foi um dos primeiros. Era mais um dos vinte e cinco mil pracinhas brasileiros a enfrentar as forças nazistas sem nenhum preparo, mas com coragem suficiente para lutar.

                   Olhei de novo para Poncharelo. O que eu podia dizer para ajudar? Ele continuou: - Eu e mamãe choramos muito quando ele partiu. Sabe Chefe, ele partiu em uma noite estranha, cuja lembrança nunca mais me sai. Chamou-me e disse – Filho, seu pai vai lutar lá na Alemanha. Vou me cuidar. Ainda vamos fazer grandes coisas, eu e você. Eu voltarei. Ele nunca nos esqueceu. - Nos primeiros meses ele escrevia sempre. Mamãe, minha querida mamãe lia suas cartas, olhando para mim. Ela sorria e me dizia: - Seu pai logo vai voltar. A guerra está prestes a acabar.

                  - Passou um ano e ele não voltou. No natal escrevi para Papai Noel uma carta. Uma carta simples, só pedia ao meu bom amigo que trouxesse de volta o meu papai que foi lutar na guerra. Nem resposta. No ano seguinte escrevi de novo. – Papai Noel, meu santo e bom paizinho, eu tenho meu coração como uma brasa, nesta hora triste em rezar ao Senhor eu venho. Papai Noel, se todos têm o seu papai em sua casa, só eu Papai Noel é que não tenho?       

                 - Os meses foram passando. Mamãe só vivia pelos cantos chorando. As cartas não vieram mais. O silêncio era completo. Lembro-me que um dia mamãe passou a se vestir de preto e nunca mais sorriu para ninguém. E para piorar tudo Chefe semana passada bateram em nossa porta e dois oficiais do Exército Brasileiro entregaram a minha mãe uma medalha. Disseram a ela que ele tinha sido um herói! Mamãe, mamãe, eu não quero um herói, eu quero meu papai! Ela calada, taciturna não chorou mais. Seu rosto lindo que nunca esqueci agora parecia uma mascara de cera.

                 - Seu mundo Chefe desmoronou e me levou também. Entrei para os escoteiros pensando que poderia esquecer, mas o que serve a medalha de herói Chefe? Se os tais heróis não voltam para casa, será que vale a pena ser herói? Sem palavras. Eu chorava com ele naquele fogo que aos poucos se apagava. Lamonte chorou também. A brisa vinha de leve a nos dar um pouco de calma, de frescor. As pequenas fagulhas ainda existiam naquela fogueira que eram agora somente cinzas. Havia ainda algumas fagulhas que se arriscavam ainda a subir aos céus. Lânguidas e serenas para logo serem levadas com o vento.

                 - Eu não era Papai Noel. Não sabia fazer milagres. Não podia trazer seu pai de volta. Abracei com força Poncharelo. Lamonte foi dormir. Eu e ele ficamos em volta do fogo até o amanhecer.  Naquele dia vi como era difícil ser um Chefe escoteiro. Não houve palavras que eu pudesse dizer. Não houve maneira de explicar. Tudo que disse foi: - Poncharelo, só Deus sabe o porquê!

Nota: Esta história fictícia se passa em 1945 em uma pequena cidade do interior, quando o Brasil entrou na guerra contra a Alemanha. A história é baseada no poema de Orlando Cavalcante: - “Oração de natal de um órfão de guerra”. Espero que gostem.

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