sábado, 12 de janeiro de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Uma janela no meu trem para lembrar.



Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Uma janela no meu trem para lembrar.

Prefácio: - Dizem os poetas que cada um define a passagem de um grande amor em sua vida. Dizem que há sempre alguma loucura no amor. Mas a sempre um pouco de razão na loucura! Espero que gostem do conto.  “Affair To Remember” me marcou por toda vida!

                         A tarde chegou... Na minha janela olhei o sol ainda brilhando esperando a lua chegar. De olhos abertos repousava tentando recuperar as forças perdidas em dias festivos. São coisas de velhos principalmente os escoteiros que ainda acreditam ter forças pra subir em montanhas como se fosse o jovem escoteiro de outrora. A mente rodopiava tentando encontrar um ponto mais importante para lembrar. Uma musica suave veio ao meu encontro. Que música era aquela? Eu sabia e me lembrei de Cary Grant no seu papel de playboy mulherengo e Deborah Kerr uma ex-cantora viajando em um cruzeiro para a Europa, se conhecem. Apaixonam-se. Mas precisam dar novo rumo as suas vidas e combinam encontrar seis meses após no alto do Edifício Empire State. Se ambos aparecerem o amor é verdadeiro e se casarão. “Tarde demais para esquecer”!

                        Não resisto às lembranças. Não tive um amor tão grande assim. O meu teve um final feliz. Minha Deborah Kerr está junto comigo até a eternidade.  “Affair To Remember” me marcou muito. A música foi me possuindo, dominando-me. Senti-me tonto, inebriado. O piano deslizava em pedaços de saudades perdidas quem sabe na Montanha da lua. Viajei no tempo. Na fila do Cinema Palácios, de braços dados com minha cara metade finalmente íamos assistir “Tarde demais para esquecer”. Não fazia ideia do enredo. Afinal sou emotivo demais. Quando ele não a encontrou no Empire State chorei. Porque ela não foi? Aí veio a explicação. Um trágico acidente a impediu de ir ao encontro.

                       Ela toma um rumo emocionante e incerto. Saí do cinema perdido em conjecturas e nenhuma me agradava. Não seria eu o Leo McCarey o diretor para mudar tudo no final. Eu era apenas um Escoteiro, emotivo, noivo, amante de sua linda e futura esposa e que vivia a sorrir e cantar na natureza.

                        Minutos que parecem horas vão descortinando minha janela. Sentando em uma poltrona no meu trem do passado viajo sem rumo e sem saber aonde chegar. A janela aberta, a fumaça do trem volta e meia entra no vagão de primeira classe. Não reclamo. Amo esta fumaça e sinto como ela me faz falta hoje. Ajeito o travesseiro para me transportar em meus sonhos. A cabeça fica zonza, pensando e pensando. Meus olhos se firmam na paisagem que o trem vai descortinando no vai e vem dos sons no trilho. Um pontilhão me assusta. Fui pego de surpresa. Quantos pontilhões passei na minha infância? Correndo com medo de o trem chegar... Ah! A janela não para de mostrar um passado, mas a música no piano conta passo a passo à história que chorei no final. Atravesso o Córrego Seco em Derribadinha. Estou fora do trem. Em pé segurando meu cavalo de aço junto aos meus outros cinco companheiros. Esperamos o trem passar para adentrar no túnel do desconhecido.

                         O piano cessa. A melodia fica parafusando em minha mente. Gosto dela. Ela volta com todo esplendor da orquestra de Henry Mancini. Minha mente está naquele trem que me leva ao passado. Lembrei-me de Gilwell. Por quê?  Afinal “Na Affair To Remember” não tem nada do escotismo que amo. Quem sabe será porque me sinto Velho e fraco e preciso voltar. Voltar onde? Em Gilwell, no tempo? Assistir novamente o filme da minha vida? Minha mente embaralha. Já nem sei mais o que pensar. Estou de novo no trem. A fumaça branca não para. Meu paletó branco de seda é macio como leite em calda. O trem diminui sua marcha. Vai parando na estação. A garotada em um campinho joga futebol com uma bola de pano. Alguém grita: - Amendoim torradinho, doce de leite e cocadas! Comprem é barato!

                         O trem vai partir. – Alguém diz com voz chorosa: - Não quer ir comigo? Ela responde chorando... Desculpe sou feliz aqui! Seria um grande amor interrompido? Minha mente volta ao Empire State. E ela? Mesmo em uma cadeira de rodas ainda pensa em casar com ele? Não sei. Não quero contar. Filmes são assim, trilhas sonoras inolvidáveis. Um piano tocante quem sabe na Floresta do Tenente, lá muito longe onde acampei. Alguém toca baixinho para mim “Na Affair To Remember”.

                        Sento-me na porta da barraca. Uma noite linda, o céu salpicado de estrelas brilhantes, uma brisa vinda do ar da Lagoa dos Peixes chega de mansinho. Tudo é encantamento. Noite romântica, mágica repleta de felicidade. Fecho os olhos, minha viagem vai chegando ao fim. Levanto-me meio tonto da minha cama. Olho pela janela, daqui a pouco vai escurecer. No meu trem ouço alguém dizer na estação final: - Muito obrigado meu jovem escoteiro, muito obrigado por esta bela viagem. Desço do trem. Vejo-me fardado, na mão o meu chapéu de abas largas. É noite, lágrimas em meus olhos mostram que ainda penso no grande amor de Deborah Kerr e Cary Grant!

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