terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Lendas Escoteiras. Lindos e velhos tempos!



Lendas Escoteiras.
Lindos e velhos tempos!

Prefácio: - “Fui dormir como quem não queria nada, mas sabia que todo caminho tinha lembranças e se eu não as encontrasse, minha jornada, meus caminhos não tinham razão de ser”.

                 Passava das onze da noite. Em volta do fogo alguns monitores e Leopardo um Chefe meu amigo fazia companhia naquela noite na floresta do Ouro Negro. Ele aceitou meu convite para acampar. Sua tropa estava em férias e ele era um acampador nato. O fogo crepitava, pequeno, algumas achas e ao lado o bule de café. Navegador um Monitor mais antigo com uma pequena vara remexia as brasas da fogueira. Eu olhava como hipnotizado para as fagulhas vermelhas amareladas que subiam aos céus. Joshua parecia dormitar sentado no tronco, mas eu sabia que ele via e ouvia tudo. Eu o conhecia de longa data. Mocinho já tinha ido dormir. Estava cansado e merecia o descanso da noite. Zé Lovênio Monitor da Águia me olhava como a pedir para continuar a história que contava.

               Nem sei por que contei aquela história. Quando me lembrava dela meu coração parecia chorar de lembranças que eu não queria recordar. Às vezes eu penso que um fogo aceso em uma clareira em algum lugar perdido na floresta que acreditamos ser encantada, um céu estrelado sem luar seria o introito para lembranças. Porque fui contar aquela história? Dizem que a sabedoria dos velhos é um grande engano. Eles não se tornam mais sábios, mas sim mais prudentes...

                 Não havia como fugir. Minha voz rouca começou novamente a narrar à história do Chefe Dakota. Ah Chefe Dakota! Minha mente voltou ao passado. – Se quiserem saber eu passei em frente a sua casa sem perceber. Desbotada, um verde que ainda permanecia vivo, mas sem as cores de outrora. Quanto vezes estive ali? Tantas que nem lembrava. Senti-me culpado. O jardim ainda era bem cuidado, sinal que ele não esqueceu seu amor pelas flores. Olhei de soslaio se havia alguém na janela. Não vi ninguém.

                 Pensei em passar como quem passa pela vida sem olhar... Sem notar se estava pisando em flores para fugir de um passado dolorido. Mas eu não seria o culpado? Não fui eu quem provocou sua saída do movimento? Digo para mim mesmo que foi obra do acaso. Se pudesse se Deus me concedesse está dádiva daria minha vida para voltar atrás. Estaria ainda vivo? Eu tinha dezesseis anos e ele já com seus cinquenta e poucos quando tudo aconteceu.

                  Num ato súbito pulei os quatro degraus que levava a varanda de sua casa. Por quê? Para zombar dele de tudo que aconteceu? Ele merecia? Mas eu insistia na minha cisma de tentar ver se ainda estava vivo. Queria pedir perdão. Dizer para ele que eu era menino, e nem pensei no que fazia. Se tivesse me calado tudo seria diferente. Dizem que os velhos acreditam em tudo, as pessoas de meia idade suspeitam de tudo, os jovens sabem tudo. Bati leve na porta. Ninguém. Bati novamente e uma voz miúda quase sumida disse baixinho: - Entre! – Entrei. A sala não mudou. A poltrona de couro marrom lá estava como sempre. Tentei ver através da luz opaca encontrá-lo.

               Aqui! Ele falou. Olhei perto da janela. Era ele sem sombra de dúvida. Velho, alquebrado, em uma cadeira de rodas com uma manta vermelha e azul em cima das pernas. – Bem vindo Apoema! Saudades de você! – Incrível. Ele se lembrava do meu nome! Bem o que fiz não se esquece jamais. Olhei melhor para ele. Rosto fino, magro, olhos fundos que não conseguia saber a cor. Já devia ter mais de noventa anos!

                Fiquei sem voz. Não sabia o que dizer. A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo. Olhei para ele com os olhos rasos d’água. Ajoelhei-me em frente sua cadeira de rodas – Perdão Chefe Dakota! Perdão! Tantos anos e só agora o procuro para dizer que me arrependo profundamente do que fiz! – Ele sorriu levemente. Falou baixinho quase sussurrando – Apoema, a juventude muitas vezes diz coisas que não quer dizer. Olhe comentam por aí que a sabedoria dos velhos é um grande engano. Eles não se tornam mais sábios, mas sim mais prudentes. Hoje eu compreendo você.

                Sei o que pensou. O errado sou eu! Minha mente voltou ao passado e todo acontecido jorrou com um balde de água fria. Eu sabia que durante a adolescência é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: - É importante sentir-se incluído num grupo, de pertencer a uma turma. Perde-se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.

               Hoje já crescido era outro. Antes achei que ele queria me fazer mal. Entendi errado. Contei para os outros chefes minha visão do acontecido. O acusei de ser quem não era. Tudo porque ele docemente estava com as mãos em meu ombro e por causa de uma serpente sua mão correu minhas costas empurrando. Pensei que ele queria o que eu não era. Corri dali gritando. Ele tentou se defender e eu não o deixei continuar. Foi excluído do Grupo Escoteiro. Minha palavra de menino irresponsável valeu mais que a dele, um Chefe de caráter.

              Ele sentindo as acusações injustas resolveu sair. Deixou-nos órfãos de Chefe. Tudo por minha causa. Entre iguais, tudo é igual. A vida ganha movimento é na diferença. Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um aventureiro experiente. Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado. Se você é Escoteiro seria bacana que pudesse entendê-lo compreendê-lo, conversar com quem sabe o que faz.

                      O fogo se apagava pouco a pouco. A floresta escura jorrava perfume de flores no ar. Não havia mais ninguém para colocar uma acha na fogueira. Ainda permanecia ali, mudos, seis jovens e dois chefes ouvindo um conto que era conto. Era mais quem sabe um desejo de se redimir, de pedir perdão, de arrependimento por um ato infantil de um jovem Escoteiro que sonhava e seu coração ficou doído por muitos e muitos anos. Lovênio levantou e nos disse boa noite e sempre alerta. Navegador o seguiu de cabeça baixa. Joshua me olhou, foi até a mim e me abraçou.

                   Leopardo ficou em pé, a sombra da noite o apanhou de jeito. Parecia um gigante perdido na floresta das lembranças. Eu também o abracei. – Ele balançou a cabeça e disse baixinho. Pois é meu amigo Chefe, a saudade aperta... O futuro acorda, mas há coisas que a mágoa não afoga bons e maus velhos tempos em que a vida era um rascunho onde você anotava pedaços do destino. Antes éramos um só... Todos juntos num só caminho... À descoberta da existência de um movimento que até hoje deixa marcas profundas em todos nós...


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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