quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Lendas Escoteiras. Cinquenta anos depois...



Lendas Escoteiras.
Cinquenta anos depois...

               A poeira não mudou. A rua também não. Tudo era igual como no passado. A rua principal era a mesma. Ali parecia que o tempo não passou. Moradores chegavam às janelas para olhar quem chegava. Ao entrar na Rua do Outono vi que estava asfaltada. A Rua Teófilo Otoni também. Sinal que houve melhora na cidade. A Praça Dom Giovani estava linda com árvores enormes. Uma grama aparada e toda florida. Bateu uma saudade enorme. Antes não sabia por que retornava, não tinha o porquê de voltar. O que aconteceu deveria ficar esquecido nas areias do tempo. Reviver o passado não valia a pena, mas eu insistente retornei. Parei o carro em frente à Pensão Pedreira. Seria por pouco tempo. Iria comprar uma morada só para mim. Quem sabe nela fazer meu consultório e viver em paz.

                Olhei para a prefeitura, saudades do Benevides, um prefeito amigo dos Escoteiros acho que se não fosse ele nosso grupo não teria resistido. Duas senhoras passaram por mim me encarando. Eu sabia como era. Cidade pequena tinha os mesmos sinais e defeitos. Defeitos? Quem sabe uma qualidade? Antes de entrar na Pensão sentei no banco de outrora. A Macaxeira cresceu. Deu-me uma saudade enorme. Fechei os olhos e voltei no tempo. Cinquenta anos muito tempo. Parece que eu a via correndo com suas amigas entre as flores do jardim. Porque foi assim? O destino? Acredito que sim, eu sabia que do destino ninguém foge. Via ao meu lado Zé Antonio. Éramos amigos inseparáveis. Ele Sub da Morcego e eu Monitor. Quanto tempo ficamos juntos? Impossível dizer. Sorria pensando quantas aventuras fizemos na serra do lagarto, nas montanhas da lua e nos vales sem fim.

                   Quando jovens nossos sonhos são fáceis de realizar. Via-me médico, com uma maleta andando pela rua a socorrer os pobres. E depois ia para casa, minha casinha branca de janelas e portas azuis. No alto do telhado a fumaça do fogão saia calmamente pela chaminé. Andaluzia preparava meu jantar. Daria nela um beijo apaixonado, tomaria um banho e após o jantar iriamos falar do mundo no banco do jardim. Sonhos... Meninos sonham tão bonito. Engraçado que nos meus sonhos não tinha filhos. Esquecia-me de tudo e de todos menos de Andaluzia. Nem mesmo Zé Antônio aparecia na minha mente. E nos acampamentos? E nas noites de outono quando a chuva caia fina na nossa barraca de duas lonas? Puxando o pé para não molhar ouvíamos o martelar dos pingos da chuva. Era gostoso a chuva. Eu gostava daquelas noites. Dormia com ela aparecendo para mim e sorrindo.

                  Até hoje não sei o que aconteceu com ela. Ninguém me contou ninguém me disse. Só disseram que ela fugira com Capistrano, um marginal da cidade que ninguém gostava. Por quê? Logo ele? Ela não sabia do meu amor? Como doeu. Uma dor difícil de explicar. Dizer que os sonhos de um menino de quinze anos não merecem credito eu não podia acreditar. Continuei amando o escotismo. Diferente, pois meus sonhos não eram mais os mesmos e nem iam mais se realizar. Esqueci a minha Lis de Ouro. Esqueci o meu Cordão Dourado. Não tinham mais importância. Minha mãe nem ligava e nem queria saber o que eu sentia. Meus Deus! Que burrice que eu fiz. Peguei minha mochila, meu cantil, minha capa negra e parti sem rumo.

                  Só por causa dela? Menino se ponha no seu lugar! Você ainda tem um enorme futuro dizia para mim mesmo. Mas a estrada parecia não ter fim. Um dia, dois um mês. Um ano depois parei. Já com meus desesseis anos e chorei. E como chorei. Por ela? Por minha mãe? Por meus amigos? Chorava por todos. Um Velho passou a cavalo e me viu chorando. Perguntou o que houve. Engasgado não sabia dizer. Suba na minha garupa, vou levar você até minha choupana. Lá vamos comer e conversar como homens. Eu estava magro, osso puro, quase não comia. Era apenas um menino sonhador de quinze anos. Fiquei morando com o Senhor Januário por dois anos até que ele morreu. De que não sei. O vi morto e pensei comigo o que fazer. O enterrei debaixo do pé de Juazeiro, pois ele me disse que ali estava Florinda sua mulher.

                    De novo pé na estrada até chegar ao Rio de Janeiro. Cidade grande. Ajudei a construir muitos prédios, estudei. Formei-me em medicina. Escotismo? Nunca esqueci. Ele morava para sempre em meu coração. Vez ou outra eu via os escoteiros correndo pelas praças e nos shoppings. Queria dar um Sempre Alerta, mas me envergonhava. Afinal eu não tinha história para contar. Conheci Maria Bonita. Bonita mesmo. Casamos e não sei por que não tivemos filhos. Um dia ela me deixou. Foi morar com um soldado que conheceu. Tinha que me adaptar. Médico os plantões e minha clínica era meu motivo de viver. Os anos foram passando, eu trabalhando. Plantão, clinica, Hospital São Marcelino e correndo pelas trilhas de favelas atrás de doentes terminais. Um dia vi que era hora de parar. Um clarão me fez lembrar-se de Rio Feliz. Era hora de voltar. Amigos da clinica choraram quando parti. Na viagem não pensei duas vezes. Não haveria volta.

                   Alguém sentou ao meu lado. Não reconheci. Barbas brancas enormes. Cabelos grandes grisalhos. Um boné amarelo na cabeça. Um sorriso que me lembrou de alguém. Olá Juvenal ele disse. Olhei para ele. Quem era? Meus olhos piscaram, Zé Antônio o meu Sub Monitor. Incrível este reencontro! Contei para ele minha vida, ele contou a sua. – Vai para minha casa até achar uma que lhe convenha comprar. - E o escotismo? Perguntei. – Até hoje ele vive na minha vida. Mas desde que você partiu, ele não foi o mesmo. – Me convida a visitar? Perguntei. Ele riu. Um sorriso de amigos que sabe o que é uma verdadeira amizade. Vamos lá agora. Tenho a chave da sede. Vai ver que nada mudou. Queria perguntar, mas não sabia como. Não sei se ele iria entender. – Ele me olhou. Abaixou a cabeça e disse – Sei o que está pensando. Andaluzia voltou cinco anos depois que você partiu. Nunca perguntou por você. Nunca perguntou por ninguém. Ela hoje vive na Casa de Repouso Dom Martinho. Lugar simples, ela não se lembra de ninguém.

                     Pedi a ele que me levasse lá. Depois iriamos a sede Escoteira. Ele sorriu e falou: - Eu sabia que seria este seu pedido. Sabia que iria pedir para reviver o passado. Olhei para ele e nada disse. Amigos são assim não dizem não e nos atendem sem fazer muitas perguntas. Um novo momento iria começar em minha vida. Não foi por isto que voltei? Não sei se o futuro seria melhor do que o meu que passou. Um amigo que nunca pensei em rever agora estava ao meu lado e um grande amor ressurgiu das sombras para o meu presente que sempre sonhei. O sol estava se pondo na Serra do Gavião. O mesmo sol de antigamente. Quem sabe um novo sol em minha vida? O futuro? Só Deus para dizer. Não me disseram um dia que do destino ninguém foge?   

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