quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A FORÇA DO DESTINO - A HISTORIA DE BELL, UMA LINDA ESCOTEIRA


 A força do destino!
(A historia de Bell, uma linda escoteira)

Uma pessoa pode ter uma infância triste e mesmo assim chegar a ser muito feliz na maturidade...
. Da mesma forma pode nascer num berço de ouro e sentir-se enjaulada pelo resto da vida.

                     Conheci Bell há precisamente treze anos atrás. Estava em visita a um amigo convalescente, chefe escoteiro de uma tropa masculina no bairro em que morava. Soubera que havia sofrido um acidente de moto, e achei que estaria acamado. Engano meu. Lá estava na maior alegria, mancando com uma muleta abaixo do braço direito, rindo e brincando com sua tropa escoteira, esquecendo completamente da dor que deveria estar sentindo. Isto é próprio de escoteiros. Amam suas atividades, seus amigos, seus ideais e fazem tudo para não sair dali. Como diz os valentões da vida, “O chefe escoteiro dá um boi para entrar em uma boa atividade escoteira e dá mais cinco para não sair”. (se errei desculpem)

                     Mas vamos falar da Bell. Seu nome mesmo é Beatriz Lizande Santini. Cheguei ao exato momento em que recebia a Segunda Classe. Aconteceu no final da reunião. Todo o grupo reunido. Ela me surpreendeu. Uma postura elegante, altiva, um grande sorriso entremeados de surpresa, recebeu o distintivo e o aperto de mão de sua chefe com esmero, como manda a boa formação escoteira. Mas achei que faltou alguma coisa, não sabia o que. Só muito mais tarde, após acompanhar os relatos entremeados aqui e ali de seus amigos e de sua chefe escoteira, pude então formar uma opinião.

                    Bell tinha treze anos na época. Fora lobinha durante dois anos e como escoteira tinha um amor enorme ao escotismo. Parecia que ali ela se encontrava. Gostava de seus amigos, de sua patrulha e tinha grande admiração pela sua chefe de tropa. Era uma sessão exclusivamente feminina, mas nunca deixando de lado o bom relacionamento com a tropa escoteira. Era pontual. Disciplinada. Seu uniforme era impecável. Nunca conversava de cabeça baixa. Não era é claro orgulhosa. Só tinha medo dela própria. Um medo terrível!

                    Desde que nasceu Bell era admirada por todos que a conheceram. Já bebê, aparência nórdica, tinha os olhos azuis mais lindos já vistos em uma criança. Seus cabelos loiros cor de palha, se despontavam com seis meses de idade. Rosto arredondado era sempre distinguida como o mais lindo bebê do ano. Quiseram até a inscrever em concursos, mas seus pais foram contras. Bell foi crescendo e atraindo olhares amigos, olhares simpáticos e até alguns olhares diferentes. Isto a prejudicava enormemente.

                   Quando fez oito anos, conheceu as lobinhas, pois uma das suas amigas da escola foi lá um dia de uniforme. Encantou-se com ela, seus distintivos e com a tal Historia da Jângal que ela contava. Foi muito insistente com seus pais para que a inscrevessem. Sentiu-se bem ali. Todos da sua idade, sem se importarem com sua aparência. A Chefe Nair sua Akelá era maravilhosa e era para Bell uma segunda mãe. Ali ninguém olhava para ela como se fosse uma princesa. Na escola todos se afastavam por isso. Seu encanto levara a isto. Até de presunçosa, arrogante, altiva e jactanciosa já tinha sido chamada. Não era nada disto. Sofria horrivelmente com este estigma.

                  Naquele dia que a vi pela primeira vez, não conhecia a historia de Bell. Não sabia que no seu pequeno coração, era possuída de grande amor e fraternidade pelo semelhante e sempre seu pensamento era de ajudar, colaborar, se sentir útil. Isto para ela era de extrema felicidade. Bell tinha sempre um grande sorriso para suas amigas e também para os amigos da tropa, que a respeitavam, davam grande importância a sua amizade e respeitosos como todo bom escoteiro, conversavam, contavam “causos” e nos acampamentos vibravam com as atividades desenvolvidas, quando havia atividades em conjunto.

               Bell passou para guia antes de fazer quinze anos. As guias estavam em formação, com menos de quatro jovens e pediram a ela que fosse mais uma. Formaram uma patrulha inesquecível. O nome Araguaia ficou marcado para sempre na tropa de guias escoteiras. Mirna a chefe, no inicio não tinha muita experiência, mas juntas desafiaram muitas tropas seniores no Brasil. Tudo de bom acontecia com Bell naquela época. Acampamentos, excursões, visitas a lugares importantes e por último uma Aventura Sênior Nacional.
 
             Foi sensacional conhecer mais de 500 seniores e guias. Uma amizade sem par. Conheceu a patrulha Aconcágua, cinco seniores que se diziam da pesada e se intitulavam os Cinco Magníficos (leiam aqui duas aventuras deles). Quando fizeram um convite a ela para descer com eles nas férias de julho o rio das Mortes no alto Xingu até o grande rio Araguaia, ela aceitou de pronto. Conhecer a historia do nome de suas patrulha seria o ápice de sua vida escoteira.

           Seus pais foram contra. Seriam cinco rapazes e ela somente. Mas ela tanto insistiu que acabaram a deixando ir. Viagem maravilhosa até o Pará. Ônibus, carona, dormindo ao ar livre, cantando, e conhecendo seus novos amigos que não tinham medo de nada. No caminho contaram suas aventuras. A principio ela não acreditou muito. Viu, entretanto que até o Ned mais calmo junto com o Junior estavam sendo sinceros. A viagem deles voltando no tempo ao Castelo Medieval na França e a Casa assombrada deviam ter sido aventuras incríveis.
        
          Ao se dirigem para o Rio das Mortes foram informados que os Xavantes ainda não tinham sido pacificados e poderia trazer perigo para a patrulha. Animaram-se mais com o perigo que iriam enfrentar. Os Cinco Magníficos riam a valer. Patrulha como aquela era difícil. Em um jipe, dirigido por um motorista louco percorreram um bom trecho da Belem-Brasilia que ainda não havia sido terminada. Quando chegaram ao final do trecho, encontraram um pequeno povoado e ali compraram alguns víveres (preço muito alto). Max se encarregou dos víveres e garantiu que era bom em caça e pesca. Entraram mata adentro, com destino ao Rio das Mortes. Queriam chegar logo, fazer uma grande jangada, (todos peritos neste tipo de embarcação).

         Dois dias andando em uma mata espessa, percorrendo uma trilha que toda hora se perdia chegaram. Lindo o rio. O nome rio das Mortes foi colocado pelos índios Xavantes, devido a grandes batalhas com os bandeirantes as margens do rio a muitos e muitos anos atrás. Não perderam tempo. Possuiam três facões e cinco machadinhas pequenas. Fizeram a base com madeira sólida, seca que encontraram a margem do rio. Usaram cambaru, que existia muito na região. Pequenos galhos de Cambará e Itauba também foram usados. Leo deu idéia de fazerem um mastro e improvisaram uma vela. Viram que o vento soprava sempre rio abaixo a ESE.
       Antes de mergulharem na grande viagem rio abaixo, pela manhã, avistaram do outro lado do rio um xavante solitário, imóvel, de olhos voltados para eles. Parecia ser um jovem guerreiro e que agora tinha adquirido a maioridade. Seu corpo nu estava pintado com tinta de urucu. Numa das mãos ele segurava um grande arco, nas costas varias flechas e na outra um tacape de guerra. Não se avistava mais nenhum Xavante. Tínham certeza que ele não estava sozinho. Bem acima em uma barranca apareceram mais uns doze deles. Todos parados, estáticos, olhando.

      Devagar, sem mostrar medo, os Cinco Magníficos e Bell colocaram a jangada na água. Batizaram-na de Brownsea do Araguaia. Entraram após carregarem suas tralhas. O índio continuava lá, imóvel. Começaram a descer o rio devagar e ainda não haviam levantado a vela. Antes de chegarem à curva do rio, o jovem xavante deu sinal com os braços, a dizer silenciosamente, vão com “Maromba” que ele os proteja em sua jornada. Maromba era o Deus dos ventos e muito venerado por eles. Dois quilômetros abaixo içaram a vela e a jangada adquiriu grande velocidade. Deixaram Bell ser a Capitã. Em pouco tempo se tornou exímia com o leme. 

         Bell vibrava com a aventura. Os Cinco Magníficos sempre sorrindo. Não tinham nem hora e nem lugar onde sempre cantavam o Ra-ta-plâ, Avançam as Patrulhas e a Canção do Sênior. A jangada gostosamente descia o rio, e olhe em uma velocidade acima de cinco nós. O leme improvisado funcionava esplendidamente. Em menos de oito horas chegaram à bacia do Araguaia. Ali encontraram um pequeno posto da FUNAI e foram muito bem recebidos pelo Sr. Antonio, chefe do posto. Ofereceu abrigo e comida. Ficaram até o dia seguinte.

         À noite, em volta de uma fogueira pequena, pois fazia calor, o senhor Antonio contou algumas historias interessantes. Os Xavantes nunca foram muito amistosos. Eram seminômades, habitavam o cerrado das florestas do norte de Mato Grosso. Tinham fama de ferozes. Contavam-se as dezenas as mortes por eles realizadas. A maior de todas foi a do Engenheiro e explorador inglês Sir Percy H. Fawcett e dois companheiros seus que estavam explorando o Rio das Mortes. Nunca mais se ouviram falar deles. Dizem às lendas que ele se tornou um deles. Contam que já o viram nu pintado para a guerra de arco, flecha e um grande tacape. Reconheceram-no pela sua vasta cabeleira loira.

       Bell dormiu preocupada embaixo de uma Cedro gigante. O vento soprava a nordeste e uma brisa leve e fresca dava ao seu sono, um doce sabor de aventura. Acordou dia claro. Os Cinco Magníficos já estavam a postos para continuar a descer o rio. Foram informados que a menos de 40 quilômetros, poderiam encontrar a “Capitão Joaquim Peçanha”, uma gaiola que fazia a rota até Belém. Bell me contava a historia com naturalidade. Não falou como foi à volta, se o dinheiro deu para as despesas, mas sempre rememorava tudo com uma grande paixão sua pelo escotismo. Disse ela que os Cinco Magníficos ficaram gravados para sempre em seu coração.               

    Dois anos mais tarde encontrei Bell profundamente triste, desgostosa, pois havia pedido demissão do Grupo Escoteiro. Olhos marejados de lagrimas. Ninguém acreditava. Não entendiam seu pedido de exclusão. Estava terminando a eficiência dois e pouco faltava para conseguir o Escoteiro da Pátria. Ninguém podia entender o que ela sentia. Uma dor profunda em seu coração. Motivo? Ela não sabia. Beth era devotada na ajuda ao próximo, até pensava em se dedicar a Deus mais fervorosamente entrando para um convento. Seus pais sempre foram contra. Era uma devota, católica fervorosa. Confessava-se sempre.

               O grupo entristeceu e sentiu sua falta durante mais de um ano. As visitas eram freqüentes em sua casa. Ela vivia mais reclusa. Detestava o espelho. Detestava quem a olhasse mais detalhadamente. Na escola não tinha mais amigas. Não olhava nos olhos dos professores. Se alguém se aproximasse, ela não deixava. Bell era linda mesmo. Uma beleza estonteante. Homem nenhum deixaria de olhar para ela sem ficar deslumbrado.

               Mesmo sem condições financeiras, seus pais tentaram que ela conversasse pelo menos algumas vezes com um psicólogo. Ela disse não peremptoriamente. Insistiram para que ela participasse de outros grupos na igreja, como catequista ou qualquer área onde pudesse ajudar. Bell não quis. Seu amor era o escotismo. Nunca esqueceria os momentos felizes que lá passou.

              Quando fez 18 anos, ela caminhava de volta a sua casa e tropeçou em um jovem ao atravessar a rua que caiu estatelado no chão. Ela também caiu. Ela como sempre achou que ele fez de propósito. Havia acontecido outras vezes. Faziam isso para chamar atenção. Levantou e lhe dirigiu um olhar de indignação. A principio foi de antipatia, depois notou algum nele. Não sabia o que era. Ele se levantou, olhando para o lado (a primeira vez que um homem fazia isto com ela) e pediu desculpas seguindo seu caminho com uma bengala. Ela se assustou. Meu Deus pensou! Ele não vê, ele era cego!

              Bell daí em diante mudou de opinião. Achou que estava muito fechada em si mesmo. Não podia continuar assim. O jovem estranho mostrou que o mundo tem pessoas boas, sem interesses. Voltou a sorrir o que não estava mais fazendo há muito tempo. Voltou ao Grupo Escoteiro. Pediu desculpas a um por um. Foi aceita e readmitida com alegria. Agora era uma pioneira e adorava seus amigos do Clã. No ultimo acampamento distrital, participaram com outros pioneiros, e foi maravilhoso para ela. Pensou que ali encontraria os Cinco Magníficos, mas não teve notícias deles. Por onde andariam? Por certo em busca de grandes aventuras! Bell se orgulhava novamente do seu uniforme, de sua tropa, de seu grupo. Seu amor ao escotismo era enorme.

            Bell mudou. E muito. Agora tinha um grande amigo. Ainda não sabia se era amizade ou amor. Só o tempo diria. Jorge era o nome dele. Esperou ele passar em frente a sua casa. O procurou. Fez amizade e o convidou para o Clã. A principio todos estranharam, mas depois se tornou um membro nato, bem relacionado e todos tinham enorme carinho e admiração por ele. Bell gostava muito dele. Talvez porque nunca a encarava. Sempre olhando para os lados. Seu rosto sempre corava quando Bell ria, ela adorava isto e ele também. Formavam um belo par, admirados por todos. Jorge era o jovem cego que um dia tropeçaram em uma esquina de uma rua. Um fato simples, corriqueiro e que mudou para sempre a vida de Bell.

            Por motivos diversos passei muito tempo sem visitar o Grupo Escoteiro onde Bell participava. Acho que por mais de dez anos. Não fiquei sabendo mais nada a respeito dela. Se ela se casou, se entrou para a universidade. Nada sabia. Um dia, para minha surpresa, minha esposa estava grávida e as pressas a levamos em um hospital próximo. O pediatra que a tinha atendido no seu pré-natal, estava de férias e não sabíamos. Chamaram pelo som a Doutora Beatriz Lizande Santini. A minha preocupação era tanta que nem prestei atenção ao nome.

            Ela quando me viu, sorriu e me disse Sempre Alerta! Com aqueles olhos maravilhosos. Não sei se eram verdes, rubi ou um azul da cor do mar. Continuava linda! Os lábios bem postos, como a dizer, seja bem-vindo. Ainda tinha um corpo estonteante. Toquei-me, vi onde estava e deveria estar voltado para o nascimento do meu segundo filho e preocupado com a Lili, minha esposa. Doutora Bell foi eficiente. Uma excelente pediatra. Fiquei orgulhoso em saber. Depois conversamos no apartamento onde minha esposa estava internada.

           Bell me contou que se casou com Jorge. Ele advoga e é bem respeitado nos meios jurídicos. Trabalha em um grande escritório de Advocacia. Ambos ainda participam do Grupo Escoteiro. Ele agora é o Chefe de Grupo e ela Akelá de lobinhos. Infelizmente não são freqüentes, suas atividades não permitem. O grupo vai maravilhosamente bem. Trouxeram meu novo rebento para que o conhecêssemos. O bebê mais lindo do mundo. Sabia que não havia ninguém mais bonito que ele.

            Sou pai de dois jovens. Ambos já são lobinhos no grupo escoteiro de Bell. Tenho orgulho deles. Chamaram-me para ser um escotista, mas preferi ficar na diretoria. Acho-me bem ali. Enfim, Beth encontrou seu lugar no mundo. Continua bela linda, a mais linda moça que já conheci, (não contem pra minha esposa). Achou seu lugar. Parabéns Bell, escotismo faz coisas maravilhosas para todos nós.

             Hoje lembrando este episódio, a historia de Bell, fico imaginando quantos e quantos jovens tem escondido no recôndito da alma suas historias para contar, suas alegrias, suas tristezas, seus sonhos. São fatos guardados em cada mente em cada coração. Ainda bem que o Movimento Escoteiro trás tantos momentos de alegria e formam moças e rapazes nos seus mais belos princípios, que são a exultação de um instante, transformados em anos e anos de uma vida sadia e harmoniosa, nas sendas da aventura e das grandes atividades vividas com amor que só mesmo um grande movimento pode dar...

E quem quiser que conte outra...

Preciso reviver, eu bem sei,
mesmo que só na lembrança,
voltar à minha antiga casa,
rever a minha infância
e todos os momentos felizes que lá passei.

Um comentário:

  1. Fiquei maravilhada com o último parágrafo do texto. Lágrimas escorreram dos meus olhos... Eu me vi descrita, minuciosamente!
    Lindo texto! SAPS

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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