quarta-feira, 28 de março de 2018

Contos ao redor da fogueira. Uma glória feita de sangue.



Contos ao redor da fogueira.

Uma glória feita de sangue.

                      - Uma faca Bowie para o primeiro lugar e um Canivete suíço Fisherman para o segundo lugar! Manuelito arregalou os olhos. Era o sonho de qualquer escoteiro. Posso participar? Panchito sorriu. Sabia que Manuelito não tinha nenhuma chance. Olhe você pode escrever, mas o Chefe Jô pode não aceitar. Manuelito se lembrou do último jogo quando no final caiu ao chão com golfadas de sangue.

                        Manuelito conhecia o Jogo Briga de Galo. Nunca se interessou. Achou que poderia se machucar. Agora não, era uma competição que o Distrito fazia e os prêmios eram de dar água na boca! Eu e Panchito bebericávamos uma caipirinha no Bar do Ademir. – Vado, não gosto de contar esta história. É triste e alegre. Marcou muito, mas teve raça, teve ideal teve sonhos e teve escotismo!

                       - No nosso tempo Vado Escoteiro o Jogo Briga de Galo era famoso. Hoje não mais. No Distrito 42, o Comissário Tomé fazia questão de todos os anos organizar um torneio. Durou anos. Conseguia no comércio local os prêmios. Vi que Panchito contava emocionado. – Vado, Manuelito era magro, raquítico e seus olhos brilharam quando pensou que podia ganhar. Logo ele? Para mim impossível.

                         Manuelito procurou Lino Touro. Pioneiro famoso que foi um dos maiores ganhadores do torneio. Lino riu na cara dele. – Magrelo, não tem a menor chance! Não tem a mínima ideia no que vai se meter! Mas a insistência de Manuelito foi tal que ele resolveu ensinar alguns truques. Ele conhecia as técnicas, participou de lutas que duraram horas. Todos os dias Manuelito chegava cedo à casa de Lino Touro. Estudou tudo sobre Briga de Galo. Desenhou e treinava no tronco da Goiabeira. No recreio da escola treinava ficando em um pé só.  

                         Com uma semana sabia usar uma Asa Direita ou esquerda (os cotovelos em forma de V). Paquiderme seu Monitor pensou duas vezes em fazer sua inscrição. A escoteirada do distrito deram risadas e acharam que era uma piada de mau gosto da Patrulha Corvo. Na tropa a prévia de quem seria escolhido, todos se surpreenderam com Manuelito. Neco, Lastimer e Juventino não acreditaram.

                       O Grande Dia chegou. As arquibancadas de madeira do Circo Garcia fervilhava. Dom Orlando Orfei fora Escoteiro e fazia questão de estar na cidade nesses dias. Orgulhava-se de seu Circo ser o escolhido para a grande competição. Quatros cidades seriam representadas. Os doze escoteiros finalistas foram apresentados sobre forte emoção. O Comissário Tomé do Distrito 42 fez a apresentação. Manuelito assustou com as vaias. – Tira o magrelo! Tira o “pistiado”! Se participar vai morrer! Gritavam em uníssemos.

                       O Jogo começou com o apito do Comissário Tomé. Agora era “guerra”! – A luta não parava. Manuelito como um herói sem bandeira chegou à final. Cofiava no uso do Joelho de Papagaio que aprendeu. Para ele fatal! Na semifinal enfrentou Matusalém. Ele deu risadas quando viu Manuelito. Está no papo disse! – Dois minutos depois e Matusalém estava esborrachado no chão. Ninguém acreditava no que via.

                       Botelho Papa Léguas e ele foram os finalistas. Não havia apostas eram escoteiros, mas as arquibancadas fervilhavam. Um silêncio de morte quando a luta começou. Botelho não subestimou Manuelito. Seu Chefe o orientou como ele era. – Botelho, basta dar uma Asa de Direita na cara e você será vencedor. Está no papo! Botelho olhou nos olhos de Manuelito, deu alguns passos para trás fez oito longos com a Asa Direita e pegou Manuelito com um tiro certeiro no rosto.

                       Mesmo esquivando Manuelito sentiu uma dor incrível. O sangue enchia sua boca. Se soltasse seria desclassificado. Seu pai tinha prevenido sobre a hemorragia. Imaginava que duas ou mais veias do seu corpo tinham partido. Botelho Papa Léguas não tinha piedade. Deu uma Asa Voadora para terminar a luta de vez. Manuelito não chorava, pedia a Deus que o ajudasse, ele precisava ganhar o prêmio, era seu sonho. Manuelito saltou de lado e Botelho quase caiu!

                     - Manuelito sabia que se não parasse iria morrer. – Deus! Não posso parar me ajude! Botelho Papa Léguas riu como vencedor. Deu uma asa esquerda para terminar de vez a luta. Manuelito não caiu. Pulou no ar e convidou Botelho a repetir. Rindo ele não se fez de rogado. Iria usar a Espora do Diabo. Um truque mortal. Podia machucar e daí? Quem entra na água é para se molhar! Não teria dó e nem piedade. Era escoteiro, mas ali a luta era de morte!

                     - Botelho partiu para acabar com Manuelito. A vida é cruel, mas reserva surpresas que ninguém acredita. Manuelito respirando com dificuldade, em um só pé, cansado, a boca cheia de sangue, esperou Botelho. Ele também tinha suas artimanhas que aprendeu com o Pioneiro Lino Touro. Quando sentiu o hálito quente de Botelho se abaixou e levantou em segundos pegando Botelho desprevenido. Impossível gritaram todos na arquibancada.

                      Como dizia minha avó, disse Panchito, “jogo é jogado e lambari é pescado”! Botelho Papa Léguas se esparramou no chão e perdeu a luta! Ninguém acreditava! Manuelito não conseguiu conter o sangue. Ele esguichou na sua boca e ele caiu desmaiado no chão. Ficou seis meses em tratamento. Voltou para a tropa, mas não era mais o mesmo. Uma tarde o Comissário Tomé chegou à sede. Após o cerimonial chamou Manuelito. Entregou para ele sua sonhada “Faca Bowie”. 

                        - Vado, foi uma das cerimônias mais marcante que já vi.  Toda a tropa em posição de sentido fazendo continência. Botelho chegou espavorido e abraçou Manuelito chorando. Manuelito viveu muitos anos. Descobriu que tinha tuberculose. Não curou, mas viveu escoteirando por toda sua vida! 

Panchito parou de contar. Ali no Bar do Ademir eu também deixei algumas lágrimas rolar. Uma luta de sangue em uma simples briga de galo! Um menino que aceitou um desafio. Uma luta de honra ou será que não seria melhor dizer: “Uma luta feita de Gloria e sangue”?

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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