quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Lendas escoteiras. O Corvo.


Lendas escoteiras.
O Corvo.

Ave ou demônio que negrejas! Profeta, ou o que quer que sejas! Cessa ai, cessa! Clamei, levantando-me, cessa! Regressa ao temporal, regressa à tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fica no meu casto abrigo. Pluma que lembre essa mentira tua, Tira-me ao peito essas fatais garras que abrindo vão a minha dor já crua. “E o Corvo disse: “Nunca mais.” Edgar Allan Poe”.

                       Acampados, noite alta, chefes em volta de uma fogueira. A Tropa dormindo. Chefe Lávio contando esta historia. Com seu estilo misterioso olhava o fogo apagado com pequenas fagulhas ciscando o ar. Na escuridão da noite só se ouvia sua voz. - Nasci em Rio Vermelho... Abrimos os olhos e os ouvidos... Até o Chefe Nevada prestou atenção. Contaram-me que seu apelido era o “Chefe que não ri”. Abotoei minha manta sobre os ombros. Uma estrela cadente saudou a todos no céu. Uma brisa gostosa vinha das margens do rio Sucuri. – tem tempo... Assim ele começou.

                  Sua voz ecoou na escuridão da floresta. – Foi em Monte Azul, cidade pequenina no interior de Mato Grosso. Vida simples, meninada nas ruas a soltar pipas, brincando com bolinhas de gude, olhando de soslaio em sinal de respeito para dona Marly ou dona Noêmia professoras do Grupo Escolar. Na missa de domingo a melhor roupa. Padre Thomaz na porta cumprimentava um a um. No púlpito uma surpresa. Um calafrio correu na meninada presente – Paroquianos, vamos organizar um grupo de Escoteiros. Inscrições abertas no Clube Remanso no próximo sábado à tarde!

                  Acordei às três da manhã. Papai! Vamos! - Onde? Fazer minha inscrição. Nem tomamos café, uma fila enorme. Chefe Noel risonho cumprimentava a todos. Feita inscrição ficamos em lista de espera. Só alguns meses! Voltei choroso. Um mês se passou e bateu em nossa porta um Escoteiro uniformizado dizendo: - A vaga do Lávio está aberta. Deve comparecer sábado às duas da tarde. Almocei correndo. Carreguei meu pai pelas mãos. Meu primeiro dia. Indicado para a Patrulha Corvo. Que orgulho. Seis patrulheiros. Agora era mais um. Leones o Monitor meu orgulho pessoal.

                Gostei das reuniões, das atividades ao ar livre, das primeiras jornadas e no primeiro acampamento em Águas Cantantes. Fiquei maravilhado. Achei que era um herói. Subir em árvores, atravessar riachos, correr atrás de um macaco prego só para tirar uma foto. Aprendi tudo sobre o corvo, símbolo de nossa patrulha. Seis meses depois me achava um veterano. No acampamento em Morro Sião que tudo aconteceu. Uma linda cascata formando um lago, peixes brigando para serem pescados. Eu gostava de pescar. Aprendi com meu pai.

                Acampamento de quatro dias. No terceiro uma jornada de seis quilômetros até a Mina do Fantasma. Recebemos um mapa, um croqui, uma bussola, e uma carta prego. As instruções eram claras. Já tínhamos feito outras e não havia segredos. A Patrulha era experiente. Desviamos do barranco estreito que dava para um enorme despenhadeiro. Um percurso simples. Precisavam da bússola. Era o responsável. Não achei. Procurei no bornal, na mochila nos bolsos nada. Deu vontade de chorar. Leones me olhou espantado. Jair nem falou. Nonato o cozinheiro balançou a cabeça.

              – Quase chorei. Assustados não percebemos o barranco. Quarenta metros de queda. Um espinheiro que feriu muitos escoteiros. Eu gritava de dor e meus companheiros também. Com muito custo saímos numa ravina desconhecida. Para onde ir? Eu tinha perdido a bússola. Senti-me culpado. Todos me olhavam surpresos. Ouvi ao um grasnado de um corvo. “Croc, croc, croc”. Voava por cima de nossas cabeças, seguia em uma direção e voltava.

                  - Porque ele fazia isto? Disse ao monitor que devíamos seguir o corvo. Ninguém ligou. - Monitor, insisti – Ele é nosso guia! Nosso símbolo! Segui o corvo e a patrulha me seguiu. Com dificuldades saímos do espinheiro. Em um riacho paramos para tirar os espinhos. Sabíamos que era o fim do jogo. Esquecemos o estojo de primeiros socorros. Começou a escurecer. O corvo sempre voando em e seguindo em uma direção. Resolvemos seguir o Corvo. Noite brava. Sem lanternas tudo escuro. E a tropa e os chefes? Deviam estar aterrorizados com nosso sumiço. Um frio forte cortante e uma bruma da ravina nos pegou em cheio.

               – Alguém tem fósforos? – Lembrei-me do isqueiro que meu pai me deu. Fizemos uma fogueira. Valeu! Impossível dormir. Vi o corvo em um galho próximo. Sozinho cochilei e acordei com o corvo pousado em meu ombro. Assustei e ele voou para longe. Ao amanhecer partimos seguindo o corvo. Não demorou e avistamos o acampamento. Alegria geral. Não houve gritos do Chefe nem gozação das demais patrulhas. Ele nos parabenizou pela coragem. O corvo durante os dias finais de campo sempre próximo ao nosso campo sempre voando e grasnando. Croc. Croc. Croc.

                Quando partimos nos acompanhou por muitos quilômetros. Da janela do ônibus eu o avistava e ele muitas vezes bicou os vidros querendo dizer alguma coisa. Dormi. Nunca mais achei a bússola. No sábado seguinte no cerimonial fui convidado para dirigir a oração. Fiquei no meio da Ferradura. – Quando iniciei vi o corvo voando em círculos sobre nós. Todos olhando espantados. Ele desceu até onde estava. Pousou no meu ombro. Tinha preso no bico uma pena dourada. Voou para cima do meu chapéu de três bicos. Colocou a pena e saiu voando e grasnando rumo sul. Sumiu no céu azul daquela linda tarde de primavera para nunca mais voltar.
                 
                           A pena dourada coloquei entre a correia e meu chapéu. Fez história. Tornou-se um mito. A saga do Corvo ficou Lavrada no livro de Ata da Patrulha. A história foi contada por anos. - Olhei para o Chefe Lávio. Chefe Nevada também. Ar de incredulidade. Ele se levantou foi até sua barraca voltando em seguida. No topo do seu chapéu vimos a pena dourada. Nunca tinha visto igual. E Assim foi contado, assim será lembrado por todo o sempre!


Nota - E o Corvo aí fica; ei-lo trepado No branco mármore lavrado. Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. Parece ao ver-lhe o duro cenho, um demônio sonhando. A luz caída do lampião sobre a ave aborrecida. No chão espraia a triste sombra; e fora daquelas linhas funerais que flutuam no chão, a minha alma que chora não sai mais, nunca, nunca mais! Uma pequena história de uma Patrulha. Um corvo que nunca os abandonou.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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