segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Lendas Escoteiras. Rudá, o cão sarnento do Vale do Eco.


Lendas Escoteiras.
Rudá, o cão sarnento do Vale do Eco.

                - Hoje não o tenho visto mais. Nem mesmo Uiara que acredito lhe deu os momentos mais belos em sua vida. – Olhei de novo para Montezuma. Não havia como duvidar. Seu porte, seu olhar ainda era de um índio orgulhoso como todos aqueles que nasceram na nação Xavante. Tinha orgulho e mantinha seus hábitos, costumes e tradições. Ficamos calados por instantes. O único som era da cachoeira do macaco, onde sentados observávamos a secura do rio que outrora fora um gigante de águas caudalosas. Ficamos amigos há tempos.

                   Ele me respeitava como Chefe Escoteiro e eu tinha por ele um orgulho em saber que era um autêntico Xavante orgulhoso de sua tribo. – Minutos depois ele me olhou piscou seus olhos negros e disse: - Chefe dos meninos do bem, eu digo e repito se você fala com os animais eles falaram com você e se reconhecerão uns aos outros. Se não falar com eles você não os conhecerá e o que você não conhece você temerá. E terminou dizendo – E aquilo que tememos nós destruímos!

                  - Eu o vi um dia na Beira do Lago Salgado, em uma tarde modorrenta com mais dois chefes escoteiros que me acompanhavam. Não vi Uiara sua companheira. Era um cão feio, sarnento com um dos olhos furados talvez por uma lança ou por um tiro de espingarda. Queria saber sua história, queria saber onde dormia onde morava. Montezuma não se fez de rogado quando o visitei naquele verão cujas chuvas não estavam mais caindo do céu.

                  – Pensei em ver lágrimas em seus olhos, mas um bravo não chora. Prefere a morte a mostrar que um índio possa ser igual as suas mulheres. – Chefe dos Meninos do bem, Rudá era um cão do Pagé Kopenak e não era amigo dele. Nunca o alimentou e quando Uiara apareceu e ele a seguiu Kopenak não se importou. Os viu desaparecendo na curva do Touro das Águas Mornas. Nunca mais voltou...

                     Foi no inverno das cinco luas que ele apareceu. O pelo amarelo cresceu, havia outro porte, outra maneira de andar e olhar. Suas orelhas ficaram pontiagudas e seu rosnado era feroz e assustava. O Pagé Kopenak quando o viu tentou se aproximar. Desistiu, pois viu que os olhos de Rudá agora estavam vermelhos como brasas do sol poente. Uiara de longe só observava. Rudá ficou em pé no centro da taba do Cacique e latiu. Um latido forte que parecia um ganido de um cão raivoso e que assustou toda a tribo.

                    O dia virou noite, não havia estrelas no céu. O ribombar dos trovões pipocavam, mas não havia raios nem chuva. Uiara deitou a sua frente em pose submissa e não latiu. De longe a tribo assustada olhava aquele cão que quando sarnento ninguém deu nada por ele. Agora parecia um animal enorme, mais que uma onça pintada daquelas que só encontramos nas margens do Rio Piquiri longe de Cuiabá bem perto do maior lago do Pantanal Brasileiro.

                    - Chefe dos meninos do bem, ninguém sabia o que dizer ou fazer. Aquele cão sarnento agora tinha o espírito do Deus dos animais, parecia vivo vindo dos altos Solimões onde habitavam os Mavutsinim, o primeiro índio criador dos povos do mundo, da serpente, do fogo e da água. Um clarão fez aparecer junto a Rudá à bela filha de Marangatu, Kerana, como se seu espirito fosse revivo quando morreu nas águas turvas do Rio Corumbá. Ela levantou as mãos e pediu silêncio. A tribo ajoelhou assustada com aquela volta de alguém que já tinha partido para a “Aldeia Divina” e sob as benções do Pagé.

                        Todos tinham visto que seu caminho foi o mesmo de muitos que também se juntaram aos grandes espíritos que hoje moram nos céus.  Kerana de mãos levantadas começou a cantar uma canção que Montezuma conhecia. - Nesta mata distante sob a luz do luar, ouço uma canção linda que não pode parar, pescadores de sonhos são defensores da vida, eles dançam em roda para comemorar. Os pés descalços há muito tempo vivem aqui. São os Índios valentes, Tupi Guarani.

                 - Ela orou ao Deus Anhangá emocionando toda a tribo que chorava copiosamente. - Ó Grande Espírito, cuja voz ouço nos ventos, cujo sopro anima o mundo, ouça-me. Sou pequeno e fraco, preciso de sua força e sabedoria. Permita que eu caminhe na Beleza, e faça que meus olhos contemplem para sempre o vermelho e a púrpura do sol poente. Faça com que minhas mãos respeitem todas as coisas que o Senhor criou. Faça meus ouvidos aguçados para que eu ouça a sua voz. Faça-me sábio para que eu possa entender tudo aquilo que o Senhor ensinou ao seu povo. Permita que eu apreenda os ensinamentos que o Senhor escondeu em cada folha, em cada pedra. Busco força, não para ser maior do que meu amigo, mas para lutar contra meu maior inimigo – eu mesmo. Permita que eu esteja sempre pronto para ir até o Senhor de mãos limpas e olhar firme. Assim, quando a minha vida estiver no ocaso, como o sol poente, que meu Espírito possa ir à sua presença, sem nenhuma vergonha.

                     Um enorme clarão e Kerana desapareceu. Rudá e Uiara partiram devagar sem olhar para trás. Foi um dia que marcou a tribo e que aprendemos a respeitar os animais, pois no fundo eles são melhores que nós. – Fiquei ali olhando para Montezuma. Pensei em perguntar onde poderia encontrar Rudá e Uiara. Ele me olhou com aqueles olhos negros profundos sem nada dizer. Passei quase um ano sem voltar à tribo dos Xavantes e quando estive lá pela última vez não encontrei mais Montezuma. – Só me disseram que ele partiu rumo a Grande Aldeia do Universo. Confesso que me deu enorme tristeza, pois Montezuma era um dos poucos amigos índios que ainda preservava. No passado tive outros que também se foram com os grandes espíritos em busca dos seus ancestrais na eternidade.

                        Naquela noite ao retornar me lembrei do poema de Tecumseh – Viva sua vida de forma que o medo da morte nunca possa entrar em seu coração. Nunca incomode ninguém por causa de suas escolhas. Respeite os outros em seus pontos de vista, e exija que eles respeitem os seus. Ame sua vida, aperfeiçoe e embeleze todas as coisas em sua vida. Quando morrer que cantem uma canção fúnebre para atravessar a grande passagem. Comprimente um estranho quando encontrar. Demonstre respeito a todas as pessoas, mas não se rebaixe a ninguém. Quando se levantar pela manhã agradeça pela luz, pela sua vida pela sua força. E Quando chegar sua hora de morrer, não seja como aqueles cujos corações estão preenchidos de medo da morte. Cante sua canção de morte, e morra como um herói indo para casa.


Nota - Ela orou ao Deus Anhangá emocionando toda a tribo que chorava copiosamente. – “Ó Grande Espírito, cuja voz ouço nos ventos, cujo sopro anima o mundo, ouça-me. Sou pequeno e fraco, preciso de sua força e sabedoria. Permita que eu caminhe na Beleza, e faça que meus olhos contemplem para sempre o vermelho e a púrpura do sol poente... Histórias... Belas histórias das lendas indígenas do Brasil.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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